Pessoas com limitações enfrentam barreiras e provam a cada dia que são capazes

Patrícia Santos Dumont - Hoje em Dia
14/04/2014 às 08:19.
Atualizado em 18/11/2021 às 02:06

(Carlos Rhienck)

O tempo todo eles são postos à prova. E mais do que enfrentar os desafios pessoais, precisam mostrar ao mundo que são capazes. Por onde quer que passem, deficientes encontram desafios que precisam e devem ser vencidos. E quando o assunto é conquistar um lugar ao sol no concorrido mercado de trabalho, as limitações ultrapassam a falta de mobilidade física e as barreiras intelectuais.

Deficiente visual total de nascença, Flaviane Lara, de 29 anos, é exemplo de que, por mais clichê que pareça, o céu é o limite para o simples desejo de ser vista como uma pessoa normal. Mineira de Resende Costa, na região Central, teve apenas dois sonhos frustrados pela limitação que a impossibilita de enxergar o mundo. De volta a Belo Horizonte, onde viveu na infância, busca, há meses, uma colocação profissional.

“Adoraria ser aeromoça e também gostaria de poder tirar fotos. Fora isso, não tenho nada de diferente das pessoas consideradas normais. Percebo que há um universo de limitações imposto a nós. Mas o que falta mesmo é informação para que as pessoas entendam que temos a mesma capacidade, como qualquer outra, para exercer nossas funções”, diz.

À frente dela, porém, e de tantos outros em condições semelhantes e usuários de cadeira de rodas, sobretudo, só o que se vê são obstáculos. Preteridos pelas empresas, deficientes com limitações graves têm enfrentado dificuldades para conseguir um emprego.

“Eles são vistos como despesa e são poucas as empresas que investem nos pilares da inclusão, de acessibilidade arquitetônica, de comunicação e atitude”, afirma o superintendente do Instituto Ester Assumpção, Oswaldo Barbosa, que presta atendimento a empresas e a deficientes.

Para a presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conped), Kátia Ferreira, o maior desafio, senão o único, é o próprio mercado. “O grande impedimento que se tem hoje é que não se acredita nesses profissionais. É preciso mudar a ideia e compreender que eles são, sim, capazes”.

E a prova disso está logo aqui. Apesar de precisar da ajuda constante – e da boa vontade também – das pessoas, Flaviane garante ser capaz de desempenhar qualquer função a que se propõe fazer, sem nenhum impedimento imposto por sua condição física. “O pré-julgamento é o que mais conta em casos como o meu. Ninguém imagina, por exemplo, que uso computador e celular, mas a verdade é que desempenho tudo o que desejo, de maneira simples e natural”, diz.

Desempregada, ela corre contra o tempo em busca de uma oportunidade de emprego, mas, quase sempre, esbarra no preconceito e na falta de confiança de que é possível trabalhar sem ser capaz de enxergar. “Ando de ônibus, saio de casa, escolho roupas, faço compras, mando e-mails, leio, trabalho e estudo. Sou normal”.

Giovani Alsínio de Araújo, de 47 anos, mora em Betim e passa por situação semelhante. Ele teve paralisia infantil quando criança e, em função da doença, ficou com um perna mais curta e mais fina que a outra. A deficiência o impõe limitações, poucas. Quatro horas é o limite para permanecer em pé sem sentir dores.

Há quase um ano peregrina por uma vaga de emprego. “Enfrentamos barreiras o dia todo: da hora que saímos de casa a hora que voltamos. Para emprego, então, nem se fala. Fui chamado outro dia em uma empresa. Cheguei a fazer o treinamento, entrevista, tudo, e depois ligaram dizendo que não passei. O motivo? Não disseram”, comenta.

Limitação física não impõe limites ao desejo de viver a vida

Ela escreve, cria, desenha, colore e pinta com os pés. Em função de uma paralisia cerebral, diagnosticada aos 6 meses de vida, Priscila de Toledo Fonseca teve comprometidos os movimento dos braços, das mãos e a fala. Não deixou-se derrotar. Hoje, aos 29 anos, apoiada e incentivada, diária e constantemente, pela mãe, Geralda, superou-se.

Quem vê Priscila presa a uma cadeira de rodas e fragilizada pela deficiência nem imagina a quantidade de talentos que a garota tem. Prestes a lançar o segundo livro de poesias, produzido, escrito e ilustrado por ela mesma, tem apenas um desejo: mostrar ao mundo que é normal e ser alguém na vida.

A doença não afetou o lado cognitivo, intelectual de Priscila, comprometeu apenas as funções motoras. Por causa disso, ela precisa de sessões semanais de fisioterapia e depende de alguém para atividades comuns do cotidiano, como escovar os dentes, pentear o cabelo, tomar banho e comer. Barreira? Não, estímulo.

No site que mantém na internet (www.feitocomospes.com.br), ela conta, com mais desenvoltura, já que fala com bastante dificuldade, um pouco de sua história. “Quando ainda era bebê, minha mãe lia cartilhas educativas para mim tentando desenvolver meu intelecto e buscava tratamentos que melhorassem minha condição de vida. Lembro-me de uma professora de português que fazia provas extensas, com mais ou menos 50 questões para a turma. Minha mãe e eu demorávamos o dia todo, pois eu lia e dizia a resposta para que ela escrevesse”, relata.

Pessoalmente, porém, com os olhos atentos e fixados em quem fala com ela, resume as emoções, quase sempre, em gestos delicados, sorrisos espontâneos e algumas poucas palavras que a mãe, geralmente, tenta antecipar. É o gosto que tem de viver a vida.

“Priscila não reclama de nada. Faz tudo com gosto e muita vontade. Nem eu mesma sei onde ela quer chegar. E agora, Priscila, qual é a próxima empreitada?”, pergunta Geralda, em tom de brincadeira. No fim deste ano, a garota conclui o curso de design gráfico, na Universidade Estadual de Minas Gerais (Uemg), uma das mais bem conceituadas do país.

Sobre os empecilhos da vida às condições impostas a ela, a mãe vai logo dizendo. “Ela gosta de tirar fotos de situações que encontra no dia a dia e que são uma barreira aos deficientes. Mas enfrenta tudo como sempre faz”, diz.

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