População que vive perto de barragens será obrigada a se acostumar com alerta do risco de rompimento

Raul Mariano
08/02/2019 às 20:55.
Atualizado em 05/09/2021 às 16:28

(LUCAS PRATES)

O som estridente da sirene começa a soar e, em questão de minutos, toda uma cidade está em pânico à procura de um local seguro. A cena poderia ser de um filme, mas tem se repetido nos municípios com barragens de mineração no Estado, desde a tragédia que matou 157 pessoas em Brumadinho, na Grande BH. Para especialistas e técnicos do setor, a tendência é que evacuações como as que aconteceram na madrugada dessa sexta-feira, em Barão de Cocais e Itatiaiuçu, na região Central, tornem-se cada vez mais comuns.

Das 42 barragens construídas em Minas com o método de alteamento a montante - o mesmo utilizado pela Vale em Córrego do Feijão -, 30 têm “alto dano potencial associado”. Ou seja, podem causar novos desastres em caso de rompimento, de acordo com dados da Agência Nacional de Mineração (ANM).

Na lista figuram 14 municípios. Dentre eles, Ouro Preto, Congonhas, Igarapé e Nova Lima, além de Mariana. Na cidade cenário da tragédia em 2015 está a barragem de Germano, da Samarco, que sozinha acumula mais de 129 milhões de metros cúbicos de minério - dez vezes mais do que o reservatório da Vale que se rompeu em Brumadinho.

Em Barão de Cocais, a 80 quilômetros da capital mineira, o medo de uma possível enxurrada de lama levou a população a fugir até mesmo de locais fora da área de risco. Nessa sexta-feira, os produtores rurais Aparecida das Dores e Raimundo Salvador, ambos de 56 anos, correram contra o tempo para colocar os pertences dentro do carro.

Levando roupa, documentos e comida, o casal pretende retornar à residência só quando não houver mais risco de rompimento ou, na pior das hipóteses, quando a barragem se desfizer. “Enquanto isso, não tem jeito de ficar aqui. Se estourar e não levar a casa, podemos até voltar”, disse Raimundo.Riva MoreiraMesmo fora da área de risco, Aparecida e Raimundo decidiram sair de casa em Barão de Cocais, após o acionamento da sirene em uma mina da Vale

Hábito

Presidente da Sociedade Mineira dos Engenheiros (SME), Ronaldo Gusmão afirma que as comunidades que têm barragens deverão cada vez mais se acostumar com as sirenes de alerta. “Minas é o Estado com maior número de reservatórios de minério e de água em todo o país. O procedimento de evacuação já deveria ser algo habitual nessas localidades”.

Um profissional que atua na inspeção de barragens de mineração, e pediu anonimato, afirma que o episódio de Brumadinho foi um verdadeiro “divisor de águas” no setor. Ele explica que as empresas certificadoras passaram a ser muito mais rigorosas na elaboração dos laudos aprovando a operação dos reservatórios. “Na maioria dos casos, o parecer era baseado em um monitoramento feito pela própria mineradora”, relata. “Agora, essas informações estão sendo mais questionadas”, detalha o consultor ambiental.

Critérios

A tragédia de Brumadinho, sobretudo com a prisão dos profissionais que atestaram a estabilidade da barragem, fez com que técnicos do segmento ficassem mais criteriosos. Quem afirma é o engenheiro Carlos Barreira Martinez, professor da pós-graduação em engenharia mecânica da UFMG.

Ele garante que, a partir de agora, nenhum inspetor de barragens estará disposto a colocar a carreira – e a liberdade – em risco diante de sinais minimamente relevantes que apontem anormalidades nas estruturas. “Por outro lado, esse rigor reduz a chance de novos desastres. Afinal, se em Mariana e Brumadinho isso tivesse acontecido, não teríamos tantas mortes”, avalia Martinez.

Certeza

Desde o desastre em Brumadinho, o alarme sobre o risco de novos rompimentos foi disparado pelo menos três vezes em Minas. A primeira aconteceu na própria Mina do Córrego do Feijão, dois dias depois da tragédia, às 5h, alertando para o possível colapso de um segundo reservatório. Centenas de pessoas saíram das casas.

Na madrugada dessa sexta-feira, os episódios em Itatiaiuçu e Barão de Cocais também levaram milhares de moradores a abandonar os lares apenas com a roupa do corpo, diante do risco de desastres com outras duas estruturas.

Professora dos cursos de engenharias civil e de minas das Faculdades Kennedy, em BH, Rafaela Baldí Fernandes diz que o alerta é para que as empresas não banalizem o uso da sirene, sob o risco da perda de credibilidade do mecanismo junto à população. “O próprio desencontro de informações entre as empresas e os órgãos de segurança sobre os níveis de perigo já mostra esse despreparo dos técnicos”, afirma. “Engenheiros não podem achar que há um risco. Eles precisam ter certeza”, destaca a docente.

Precaução

Por nota, a Agência Nacional de Mineração (ANM) informou que todas as vezes que o nível 2 de um Plano de Ação de Emergência para Barragens (PAEBM) é atingido, a evacuação de toda zona de inundação projetada do reservatório é realizada. “Medida adotada imediatamente para salvaguardar toda a população que possa habitar a área de inundação num provável rompimento”, diz o texto. 

O Sindicato da Indústria Mineral do Estado de Minas Gerais (Sindiextra) foi procurado pela reportagem, mas não atendeu às ligações até o fechamento desta edição. O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) também foi acionado, mas não se posicionou. Editoria de Arte

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