‘Prefeito deve estar engajado para enfrentar a seca e as enchentes’, afirma Alex de Melo

Ricardo Rodrigues - Hoje em Dia
10/11/2014 às 07:38.
Atualizado em 18/11/2021 às 04:57

(Samuel Costa)

A Defesa Civil em Minas Gerais tem um orçamento de R$ 10 milhões para 2015 e o duplo desafio de conviver com situações diferentes num mesmo ano: a seca e as enchentes. Para enfrentá-las, o órgão precisa muito dos prefeitos engajados, afirma o chefe do Gabinete Militar do Governador e titular da Coordenadoria Estadual de Defesa Civil, coronel PM Alex de Melo, de 45 anos.

Ele lançou o Plano de Emergência Pluviométrica, que possui um horizonte de planejamento de curto prazo, representado pelos meses de outubro de 2014 a abril de 2015. O objetivo dessa ferramenta gerencial é diagnosticar as intempéries, a fim de focalizar as ações preparatórias e melhor articular o poder público e a sociedade, com ênfase nas respostas às adversidades provocadas pelas precipitações do período chuvoso.

Os riscos não se resumem às enchentes e desabamentos. Segundo ele, o surgimento de epidemias, como a febre chikungunya, estão no rol da vigília dobrada empreendida pelo setor em Minas Gerais. Melo tem curso superior em Segurança Pública e duas pós-graduações nas áreas de administração e gestão estratégica. Durante oito anos foi ajudante de ordens do então governador Aécio Neves e passou quatro anos como subchefe do Gabinete Militar.

Também serviu por dez meses em Angola durante missão de paz das Nações Unidas.

Prefeitos se queixam que as ajudas federal e estadual relativas à seca só chegaram em outubro. O atraso nos repasses foi por causa das eleições?

Desde 2012, o Estado recebeu da União R$ 10 milhões para as ações de socorro aos municípios da Área Mineira da Sudene, que têm recursos federais para a Defesa Civil. Havia a promessa de mais R$ 10 milhões, mas acredito que não virão. É compreensível, diante das dificuldades do governo federal de fechar o caixa.

Para as ações relativas às chuvas, neste ano, o Estado destinou R$ 4 milhões e para a seca, R$ 7 milhões. Foram distribuídas duas mil cisternas de plástico, que permitem armazenar 8 mil litros de água cada uma, além de calhas para coletar água de chuva. Essa reserva permite preservar a agricultura familiar. A Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec) entregou, desde setembro, 23 mil cestas básicas, licitou 10 mil e tem recursos para mais 20 mil cestas. Se o município não recebeu ajuda é porque não solicitou.

Qual foi o gasto com caminhões-pipa?

Temos R$ 7 milhões até dezembro para fornecer água potável, por meio da operação caminhões-pipa, no Norte de Minas e nos vales do Jequitinhonha e Mucuri. O Estado atende 36 municípios com caminhões-pipa e o Exército atende 44. O problema maior nesses 80 municípios está na zona rural onde vivem 500 mil pessoas.

Falta política pública para convivência com a seca e as enchentes?

Boa parte de Minas Gerais tem clima semidesértico. Para enfrentar problemas que se impõem há décadas é preciso construir políticas públicas para atacar a realidade das regiões mais secas. Israel, em pleno deserto, tem obras estruturais que permitem o desenvolvimento da agricultura. Nos Emirados Árabes, toda a água é dessalinizada. No Brasil e em Minas Gerais, temos soluções simples para dar respostas mais eficazes. A armazenagem de água e a transposição de rios atenderiam às necessidades na estiagem.

Segundo dados do Climatempo, em 1961 tivemos um desses picos de seca. Desde então, a seca retornou em 1971, e se agravou nos últimos anos com índices muito próximos do que aconteceu agora: 800 mm de chuva. Nas últimas décadas, a população urbana cresceu muito e aumentou a demanda por água na agricultura e na pecuária.

Pará de Minas é um bom exemplo. Teve problemas de infraestrutura hídrica, por falta de ajuste entre a prefeitura e a Copasa. Mas é fato que dois mananciais que abasteciam a cidade secaram. Foram perfurados 54 poços, só 18 deram água. O lençol freático baixou, por causa dos poços clandestinos. Em Minas, perfurar poço só com a licença do Igam, o que custa caro. Em muitas propriedades rurais, sítios e condomínios urbanos, o poço é perfurado de maneira ilegal.

Em relação aos anos anteriores, o que marca a Defesa Civil em 2014?

Ou a gente está na seca ou na chuva. A Cedec tem rotina de trabalho e estrutura para atender às duas situações de emergência ou de calamidade pública durante a seca e no período das enchentes. Para dar resposta em situação de caos, o Plano de Emergência Pluviométrica, lançado em 15 de outubro, prevê a articulação dos vários órgãos, os princípios técnicos, diagnósticos e prognósticos. O trabalho é feito por bacias hidrográficas nas regiões administrativas do Estado. O documento foi entregue a todos os prefeitos, para que cada município possa fazer seu planejamento.

Temos de desenvolver uma nova cultura em relação aos eventos climáticos. A prevenção requer planejamento estratégico para tratar com os desastres naturais. Tem de montar sala de comando e controle com representantes dos diversos órgãos, verificar a logística disponível e ter pessoas preparadas para exercer as funções. E aplicar isso de forma coordenada, com efetividade, eficiência e eficácia. Fazer uso do recurso com economia para alcançar os objetivos propostos, senão fica igual a uma barata tonta.

Hoje, temos uma escola de defesa civil, voltada para capacitar o efetivo das prefeituras mineiras. São três cursos por ano, com a formação de 300 pessoas. Aprende-se o básico da defesa civil, além da parte burocrática. Há o curso de captação de recursos, onde são ensinados os procedimentos burocráticos, a elaboração de projeto e plano de trabalho para aplicação desses recursos, que são limitados. Uma ferramenta gerencial fundamental é o curso de SCO – Sistema de Comando em Operações.

As prefeituras estão preparadas para enfrentar extremos climáticos e catástrofes naturais?
Belo Horizonte tem uma defesa civil organizada, com o mapeamento de riscos bem feito. A prefeitura faz a limpeza de calhas dos cursos d’água. A limpeza do (ribeirão) Arrudas resolveu muito o problema das cheias. Raposos fez a limpeza das calhas do rio e o resultado foi concreto. Em 2013, não houve enchente no município como em 2012.

A impermeabilização das cidades é um grande problema, somado ao fato de que a população joga lixo doméstico e entulho de obras da construção civil nas margens dos cursos d’água. Na maioria, falta um bom trabalho de educação ambiental e de fiscalização.

A ocupação desordenada do solo tende a agravar os problemas, com a ocorrência de enchentes e desabamentos por conta do relevo. Houve uma ocupação generalizada das áreas de risco na Região Metropolitana de Belo Horizonte, o que causa de vez em quando soterramentos.

Em termos de Defesa Civil, a morte por soterramento representa 4% dos óbitos, o restante é causado por desabamentos (mais de 20%) e enxurradas (mais de 20%), quedas de árvores e descargas elétricas. Neste ano tivemos uma morte por descarga elétrica, em Divinópolis. Em 2013, ocorreram cinco mortes.

A chuva fez vítimas em Carangola e Sabará. A Defesa Civil está pronta para enfrentar a temporada das enchentes?

Em Carangola, 1.200 pessoas ficaram desabrigadas e 300 casas foram atingidas. Outras três mil famílias foram desalojadas, por conta da chuva do dia 27 de outubro. A ajuda estadual foi dada com telhas de amianto, cestas básicas, cobertores, kits de higiene pessoal e para limpeza das casas. No dia seguinte, em Sabará teve chuva forte, carros foram arrastados, lama entrou nas casas. No início do período chuvoso, com as precipitações mais intensas, isso é normal. De acordo com os técnicos, deve chover 60% do previsto em novembro. Chuvas mais intensas só em dezembro. A chuva deste ano deve repetir 2013. A expectativa é de que teremos problemas parecidos aos do ano passado. A média de óbitos no período chuvoso é de 25 pessoas. Em 2013, ocorreram 23 mortes. Só em Sardoá, foram seis vidas perdidas.

A Cedec tem o papel de coordenar e supervisionar a articulação de órgãos do Estado que atuam na defesa civil, como Ruralminas, Copasa, Corpo de Bombeiros Militar, Polícia Militar, Setop (Secretaria de Transportes e Obras Públicas), Semad (Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável) e o Servas (Serviço Voluntário de Assistência Social de Minas Gerais), que arrecadou 10 toneladas de alimentos para as vítimas da seca no Estado. Esse trabalho articulado tem a participação do Exército.

Qual o efetivo da Defesa Civil para enfrentar as chuvas no Estado?

A Cedec é dividida em duas superintendências: administrativa e operacional. São 60 pessoas em Belo Horizonte, entre civis e militares, técnicos e engenheiros. O corpo técnico fica à disposição das prefeituras 24 horas para orientar a elaboração dos documentos necessários. A equipe da Cedec pode se deslocar até o município para ajudar nesse trabalho. Se extrapolar a capacidade de atendimento do Estado, vamos acionar a União para dar respostas a essas emergências.

A grande demanda das prefeituras é a ajuda no trâmite da documentação que tem de ser juntada para decretar a situação de emergência. Temos o sistema S2ID informatizado, do governo federal, que recebe os dados das prefeituras sobre os impactos sociais e econômicos no município, para definir se enquadra nas categorias emergência ou calamidade pública. Isso permite gerar o decreto, que torna o município habilitado a receber recursos financeiros e materiais.

Quantas cidades têm o Comitê Municipal de Proteção e Defesa Civil?

Dos 853 municípios mineiros, cerca de 700 prefeituras instalaram a Coordenadoria de Proteção e Defesa Civil (Copdec), mas precisam se envolver em treinamento para atuar. Capacitar as pessoas é o mais importante para dar dinamicidade ao sistema de Defesa Civil, que deve ser articulado envolvendo os Estados, os municípios e a União, a sociedade civil e as comunidades locais. As pessoas na comunidade têm de estar preparadas para enfrentar o pior. Em 2012, houve a cheia do Córrego do Onça, na Pampulha, onde morreu o encarregado de dar o alarme, por falta de preparo.

O que orienta a aplicação dos recursos?

Os recursos têm de ser alocados de forma racional, o que passa pela identificação dos problemas, passa por análise e gestão de riscos. O planejamento das ações tem de iniciar na comunidade e cabe às prefeituras tomar frente disso. Na análise de severidade dos riscos, precisa haver um plano de contingência, como prevê a Lei federal 12.608/2012, que é a espinha dorsal da defesa civil no país. As prefeituras têm de colocar a Defesa Civil como prioridade.
Um dos aspectos a destacar é a preparação das pessoas para lidar com a defesa civil, porque isso ainda é tratado de forma improvisada na maioria dos municípios. É necessário um tratamento técnico para o assunto. O Japão, por exemplo, é extremamente organizado para enfrentar terremotos, tsunamis, acidentes nucleares. Nossos problemas não chegam nem perto dos problemas enfrentados pelos japoneses.

A Defesa Civil tem uma central de alertas? Como isso funciona?

O radar do sistema de alertas fica em Mateus Leme, na região metropolitana da capital, e seu raio de alcance é de 250 quilômetros. O Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) é quem cuida desse radar. Estão em fase de licitação mais três radares, que vão ser instalados em outras regiões do Estado. O radar, com duas a três horas, consegue avisar sobre ocorrências de enchentes, o que permite evitar danos e salvar vidas.

As epidemias também mobilizam a Cedec?

A Defesa Civil está mobilizada para enfrentar epidemias como a febre amarela e a dengue, transmitidas por mosquitos cujos focos se multiplicam com o período chuvoso. O vírus chikungunya começou a ser transmitido no Brasil há um mês e já infectou centenas de pessoas. Essa doença é como uma dengue crônica e há possibilidade de se tornar uma epidemia. Os mosquitos Aedes aegypti e Aedes albopicutus são os transmissores da dengue e das febres amarela e chikungunya.
 

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