Reduzir gravidez indesejada entre adolescentes passa pela maior oferta de métodos contraceptivos

Aline Louise - Hoje em Dia
Publicado em 14/02/2016 às 08:17.Atualizado em 16/11/2021 às 01:24.

Em média, 20% dos partos no Brasil são realizados no grupo de meninas e jovens de 10 a 19 anos. O percentual é alto, principalmente ao se considerar os impactos sociais, econômicos e os riscos à saúde das gestantes e do bebê. Para reverter esse quadro, a aposta é ampliar a oferta dos métodos contraceptivos na rede pública.

Recentemente, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) solicitou ações nesse sentido à Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), incluindo uma variação maior de técnicas chamadas “reversíveis de longa duração”, ou Larcs.

O Conitec, que finalizou consulta pública em 2 de fevereiro, deve se pronunciar em março sobre o assunto. Segundo a presidente da Comissão Nacional Especializada em Anticoncepção da Febrasgo, Marta Finotti, a adoção desses métodos contraceptivos geraria uma queda de 40% na taxa de gravidez precoce.

“Essa incorporação vai mudar a realidade no Brasil, como aconteceu no Chile, como é no Canadá”, exemplifica. Segundo ela, a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu, em abril de 2015, o implante e o DIU, caracterizados como Larcs, na lista dos medicamentos essenciais a serem oferecidos pelos sistemas de saúde pública no mundo.

A ginecologista Karine Ferreira, integrante do departamento de saúde do adolescente da UFMG, reforça que os LARCs são recomendados para essa faixa etária e têm um impacto ainda mais importante para meninas com menos de 15 anos, fase em que a taxa de gravidez têm crescido.
 
Entretanto, ela reconhece que será preciso mudar a cultura, inclusive dos profissionais médicos. “A maioria dos ginecologistas ainda não se sente tão confortável para prescrever o uso do DIU e implantes para adolescentes, porque por muito tempo não foi considerado uma boa escolha. Mas hoje já sabemos que é uma excelente opção”, argumenta.

O presidente da Associação dos Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais, Agnaldo Silva Filho, concorda que será preciso uma mudança de paradigmas, tanto para os profissionais da saúde quanto para as usuárias. Ele reforça que os métodos reversíveis de longa duração, que surtem efeito de 3 a 5 anos seguidos, são importantes para as adolescentes, porque a alta taxa de gravidez indesejada não está relacionada à falta de informação, mas ao descompromisso delas de tomarem corretamente os métodos tradicionais, como a pílula.

Ele explica que, nessa faixa etária, é natural que elas não acreditem que de fato possam engravidar. “Uma das estratégias é utilizar métodos que sejam menos dependentes das usuárias”.

Oferta

Em nota, o Ministério da Saúde destacou que o SUS disponibiliza oito métodos contraceptivos, dentre eles o DIU. Porém, não há a opção do DIU medicado com progesterona e o implante, considerados mais vantajosos. “São métodos mais seguros porque só contém progesterona, sem estrogênio, que é o hormônio responsável pelo processo de trombose venosa, infarto, AVC e demais problemas circulatórios”, explica Finotti.

Quanto maior o risco social, maior a taxa de gestações em jovens de 10 a 19 anos

Em Belo Horizonte, a taxa de gravidez na adolescência gira em torno de 9% do total de gestações. Porém, nas áreas de maior risco social, o índice sobe para 35%.

Na Maternidade Sofia Feldman, por exemplo, que atende 100% SUS, dos cerca de 11 mil partos realizados por ano, 20% são de adolescentes. “Nos hospitais privados esse percentual é de 3%”, diz o diretor da maternidade, Ivo Lopes.

Segundo o coordenador da Saúde da Mulher da prefeitura da capital, Virgílio Queiroz, vários fatores influenciam para essa situação, como a falta de perspectivas das meninas e pouco acesso a cultura e lazer. “Para reverter isso, as ações devem ser amplas e intersetoriais”, comenta. Outro aspecto levantado por ele é a questão cultural.

“Pensamos em colocar dispensadores de camisinhas nas escolas, mas sempre esbarra na oposição dos pais, que negam a sexualidade dos próprios filhos”, avalia. Queiroz ainda lembra que o SUS já oferece o DIU de cobre, um método contraceptivo de longa duração, mas a adesão entre adolescentes é baixa.

Segundo Queiroz, uma forma de contornar a barreira cultural é a implementação de um espaço para tratar da sexualidade dos jovens.

De acordo com ele, a prefeitura estuda, junto com a Maternidade Sofia Feldman, criar um centro do tipo, que funcionaria no antigo Hospital e Maternidade Frederico Ozanam, no bairro Carlos Prates, que foi desativado. “Nesse lugar, o jovem ficaria mais à vontade para tratar da sua sexualidade”, afirma. Entretanto, o projeto ainda não tem data para sair do papel.

Complicações no parto são a segunda maior causa de morte nessa faixa etária

A gravidez na adolescência acarreta uma séria de implicações sociais, econômicas e para a saúde da mãe e do bebê. De acordo com a ginecologista Marta Finotti, as complicações no parto, nessa fase, são a segunda causa de mortalidade entre adolescentes. Para os bebês, a gestação precoce leva a um maior risco de prematuridade e baixo peso.

Impacto econômico

O Brasil registra mais de 235 mil gestações não planejadas de mulheres jovens por ano. O custo dessa realidade para o país, lembra Marta, é de mais de R$ 540 milhões anuais, uma média de R$ 2.293 por gestação.

Segundo a ginecologista, o investimento nos métodos contraceptivos reversíveis de longa duração custaria ao governo 10% desse valor, em torno de R$ 200 para cada adolescente que optasse pela alternativa. “No primeiro ano de adoção da medida, o governo teria custos para implantar esses novos métodos, mas, em cinco anos, deixaria de gastar mais de R$ 35 milhões com gravidez precoce”, explica Marta.

Do ponto de vista social, a gravidez entre meninas de 10 e 19 anos é fator que perpetua o ciclo de pobreza, avalia a médica. “Grande parte dessas meninas não estuda nem trabalha. Acaba sendo sustentada pela família, que já tem uma renda per capta mínima, ou dá a criança para adoção”.

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