Meninos na faixa etária dos 15 aos 17 anos com ensino fundamental incompleto, usuários de drogas e moradores das regionais Noroeste, Oeste e Venda Nova. Esse é o perfil majoritário dos adolescentes infratores de BH, que migram dos bairros onde residem para praticar roubo, tráfico, estupro e andar armados, principalmente, na região Centro-Sul da capital.
Só no ano passado, 9.106 delitos foram cometidos por meninos e meninas na capital. A média é de 24 crimes por dia, ou um a cada hora. Os dados estão em relatório divulgado na última quinta-feira (9) pelo Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional de Belo Horizonte (CIA-BH).
O tráfico de drogas lidera, com folga, as estatísticas. Em 2014, foram 2.278 ocorrências. O número é 38% maior se comparado a 2013. Na sequência aparecem roubos, porte de arma e homicídios.
Consciência
Para o professor de direito constitucional e ciência política da Universidade Fumec Ricardo Sacco, dois fatores justificam a concentração dos atos infracionais na região Centro-Sul.
“Existe uma lógica nisso. Os jovens preferem cometer atos ilícitos distante de casa para evitar serem reconhecidos. Também preferem as localidades onde vão obter resultados melhores, com produtos de maior valor agregado. É um comportamento consciente”, avalia.
O pesquisador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da UFMG, Frederico Couto Marinho, reitera o posicionamento anterior. “A região Centro-Sul tem um volume grande de população flutuante com bens de valor. É lá que está uma concentração maior de possíveis vítimas e é onde o policiamento é mais rarefeito”, afirma o pesquisador.
Motivações
A certeza da impunidade e a ineficiência do sistema socioeducativo são as causas apontadas pelos especialistas para o aumento nos registros de atos infracionais. “Não adianta vir com argumento de que existe punição, porque ela é extremamente branda, não tira o adolescente de circulação por muito tempo. Se for furto ou roubo, não faz diferença para ele”, diz o professor da Fumec.
Marinho, do Crisp, é contrário a essa ideia. De acordo com ele, o problema está na aplicação das medidas, que não contam com profissionais suficientes, recursos para inserir jovens nas escolas ou em cursos profissionalizantes e tratamentos para os que fazem uso de drogas e bebidas.
“A falha está em fazer com que esses adolescentes entendam que não vale a pena cometer atos infracionais, está na implementação das medidas. O número de infratores apreendidos é alto e o de medidas aplicadas, também, mas elas não funcionam”.
Criminalidade reacende discussão em torno da redução da maioridade penal
A divulgação dos dados do CIA-BH chega em meio à recente proposta de emenda constitucional que impõe a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, em análise na Câmara dos Deputados. Integrante da Pastoral do Menor Nacional, a pedagoga Marilene Cruz analisou as estatísticas dos delitos cometidos em Belo Horizonte.
Segundo ela, o documento deixa claro que a diminuição da maioridade não resolverá a criminalidade infanto-juvenil. “O tráfico de drogas está no topo das ocorrências. A forma de combatê-lo não é encarcerando, mais precocemente, esses meninos. É preciso políticas públicas para melhor formação desses jovens”, diz.
Marilene reforça que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) tem normas e procedimentos claros para a ressocialização dos infratores mirins. “O problema é que o Estado e as prefeituras não executam as medidas. Assim, fica o sentimento de impunidade”.
A favor
Já Ricardo Sacco, da Universidade Fumec, vê no balanço do CIA-BH a prova de que é preciso, sim, reduzir a maioridade penal, para atender a uma reivindicação da população vítima dos atos infracionais de menores.
“As pessoas que defendem a manutenção da maioridade penal estão dentro de gabinetes com ar-condicionado e seguranças e não utilizam o transporte público. É muito fácil para eles dizer que são contrários à redução. Mas quem enfrenta a vida real sabe quais são as consequências de uma proliferação de menores infratores”.
Para o professor, alegar falta de educação e de oportunidades é uma desculpa que não deve ser empregada, nesses casos. “Uma pessoa não precisa assentar em um banco de escola para saber que apontar uma arma para alguém ou tomar algo à força é errado e reprovável. Não é preciso ter escolaridade para saber que a violência contra o outro é errada”.
Medidas
As principais punições, previstas no ECA, são a Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) e a Liberdade Assistida (LA), ambas de responsabilidade das prefeituras. A primeira é baseada na realização de tarefas, sem remuneração. Na outra, o adolescente recebe orientação de um psicólogo ou assistente social.
Em nota, a Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social (SMAAS) informou que a Prefeitura de BH tem uma rede articulada de serviços, projetos e programas voltados à prevenção de situações de risco a esses adolescentes, como qualificação profissional e atividades esportivas.
Um dos programas é o Projovem Adolescente, que atende cerca de 300 jovens com uma oferta continuada de várias oficinas. Em 2014, a SMAAS, acompanhou 862 adolescentes em cumprimento de LA e 1.267 no PSC. Atualmente, não há fila de espera para o cumprimento das medidas
Já os casos mais graves, que envolvem a necessidade de internação, são de responsabilidade do Estado. Apesar de o estudo ter apenas 27 páginas e estar disponível na internet, a Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas (Suase), do governo de Minas, informou que não teve acesso ao documento.