A retirada de jacarés e capivaras da Lagoa da Pampulha, iniciativa da prefeitura, é questionada por especialistas. Enquanto o Executivo alega que a manutenção das espécies no local oferece riscos à saúde pública e inviabiliza a prática de esportes náuticos, estudiosos afirmam que nenhum dos motivos é válido. Considerado um dos principais cartões-postais da cidade, a área recebe, diariamente, muitos moradores e turistas.
Segundo o vice-prefeito e secretário de Meio Ambiente, Délio Malheiros, a preocupação com a saúde pública foi determinante na decisão de levar as capivaras para outro local, conforme plano de manejo aprovado pelo Ibama.
O risco que esse animal oferece, complementa Malheiros, diz respeito à febre maculosa, infecção causada por uma bactéria e transmitida pelo carrapato-estrela. Como a capivara é hospedeira do parasita, pode transmitir a doença ao homem.
Já os jacarés serão transferidos para um local, ainda não definido, após a conclusão dos estudos de manejo. “Eles podem ser uma ameaça à prática de esportes”, disse Malheiros.
Por outro lado, o professor Fernando Perini, do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, o único motivo para a retirada das capivaras seria o fato de que elas comiam os jardins de Burle Marx, localizado no Museu de Arte da Pampulha. “O problema poderia ser resolvido com uma simples cerca”, avaliou.
O especialista ressalta que faltam estudos sobre a biodiversidade local. “A única medida da prefeitura foi retirar os bichos da orla. Impressiona afirmar que existem 21 jacarés na lagoa. Porém, ninguém sabe quantos animais existem de fato, qual é a interação entre eles e o ambiente urbano”.
Por sua vez, o vice-prefeito afirma existir um levantamento do número de animais feito pelo consórcio de empresas contratado para os trabalhos de despoluição da lagoa.
JACARÉS - Animais devem ser retirados da Lagoa da Pampulha a partir do próximo ano. Foto: Wesley Rodrigues/Hoje em Dia
EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Já o professor Paulo Garcia, do Departamento de Zoologia da UFMG, considera que a pressão da sociedade falou mais alto do que a própria necessidade. “A população não está acostumada com esses animais. Se tivéssemos educação ambiental, não teria problema conviver com eles”.
Pesquisador da UFMG e do Centro Nacional de Pesquisas e Conservação de Répteis e Anfíbios do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Marcos Coutinho frisa que a sociedade deve definir o tipo de manejo que quer para os animais. “Vamos considerá-los pragas? Eles estão em seu habitat. O ideal é monitorá-los na lagoa, para incrementar a atividade turística. A pesquisa e a educação ambiental também são pertinentes”.
A polêmica sobre o destino da capivara e do jacaré-de-papo-amarelo, na opinião do especialista, é uma boa oportunidade para dialogar com as pessoas sobre a conservação da biodiversidade. Coutinho também defende a criação de programas de visitas técnicas, com monitores treinados, visando orientar turistas e moradores sobre os animais.
Coutinho diz ainda que a Região Metropolitana de Belo Horizonte é área de distribuição natural da espécie. “Em princípio, os jacarés-de-papo-amarelo não oferecem perigo, não são animais agressivos e fogem da presença humana. O mais preocupante é a qualidade da água da represa. Esses animais estão vivendo em ambiente poluído”, frisou.
Diante da polêmica, ganha destaque no facebook a campanha SOS Lagoa da Pampulha, contra a verticalização e em defesa da preservação da biodiversidade local.
CAPTURA
No início da noite dessa terça-feira (30), seis capivaras foram capturadas pelos técnicos da empresa contratada para fazer o manejo. Os trabalhos foram iniciados na última segunda-feira. Porém, no primeiro dia, nenhum animal tinha sido preso.
A empresa tem prazo de 180 dias para executar a tarefa. O destino dos animais ainda é desconhecido. A prefeitura só divulgará o novo habitat das capivaras assim que todas forem capturadas.
Manejo de animais é estudado há 15 anos
O processo de retirada das capivaras da Pampulha foi iniciado, pela prefeitura, em 2013. Porém, o vice-prefeito Délio Malheiros argumenta que há 15 anos se estuda o manejo desses animais. “A decisão foi tomada em fevereiro deste ano, depois do levantamento de casos de febre maculosa na região, do número de capivaras atropeladas e dos boletins da Infraero sobre pousos e decolagens abortados no aeroporto da Pampulha por causa dos animais na pista”.
Malheiro informou que o custo inicial de R$ 350 mil para capturar e retirar as capivaras caiu para R$ 180 mil, por meio de contratação emergencial, com dispensa de licitação. Apesar de não ter havido casos de acidentes envolvendo os jacarés, o vice-prefeito diz “pensar no futuro”. “Daqui a um ano, a água da lagoa estará em condições para a prática de esportes náuticos. Por menor risco que seja, a ideia é fazer o plano de manejo e levá-los para outro habitat”.
Presidente da Associação Amigos da Pampulha, Flávio Marcus Ribeiro de Campos, é favorável à preservação dos animais na orla. Ele disse que não tem conhecimento de propagação de doenças de capivaras para o ser humano e nem de jacarés atacando pessoas. Para Campos, o entorno da lagoa é um santuário ecológico que precisa ser preservado. “A orla é muito salutar e educativa para o meio ambiente e para nossos filhos”, disse.