S.O.S Pediatras: profissionais sofrem com violência frequente no ambiente de trabalho

Raul Mariano
rmariano@hojeemdia.com.br
23/10/2017 às 06:00.
Atualizado em 02/11/2021 às 23:19

(Pedro Gontijo)

Ameaças, ofensas, xingamentos e até agressão física. Ataques que cada vez mais têm sido feitos a profissionais da saúde. Pesquisa do Datafolha, encomendada pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), aponta que dois a cada 10 pediatras no país afirmam sofrer com frequência situações de violência no ambiente de trabalho.

Na maioria dos casos, o cenário se repete motivado, sobretudo, pela falta de infraestrutura para acomodar pacientes e a demora para o atendimento. Em Belo Horizonte, quem trabalha nessas condições garante que o ambiente é ideal para o surgimento de atos violentos. 

Segundo o estudo da SBP, 26% dos pediatras garantem já ter sofrido ataques verbais ou físicos em atendimentos

O pediatra e presidente do Sindicato dos Médicos de Minas Gerais (Sinmed-MG), Fernando Luiz de Mendonça, explica que o problema está presente na maioria dos centros de saúde do SUS, mas concentrado nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs). 

Ele garante que nesses locais há uma soma de fatores negativos que passam pela demanda crescente por atendimento rápido, número inadequado de profissionais, e infraestrutura física ruim, com falta de materiais e medicamentos.

O médico afirma que as reclamações de pediatras que atendem na rede pública da capital são comuns. A principal queixa está em ofensas feitas por pacientes que culpam os médicos por problemas de estrutura e gestão. 

“Recentemente um pediatra da Unidade de Pronto Atendimento Nordeste em BH foi agredido porque uma mãe não gostou da consulta”, afirma o presidente do Sinmed-MG, ele mesmo vítima de um episódio dramático. “Meu maior sufoco foi um tiroteio que aconteceu dentro da UPA Norte. Um paciente que parecia ter envolvimento com o tráfico de drogas foi alvo de vários disparos. A sensação era de que você, de fato, podia morrer ali”, relata Mendonça. 

“Assusta o índice crescente de agressões físicas, onde as pessoas inconformadas de não conseguirem o que querem tentam, de fato, bater nos profissionais”Fernando MendonçaPediatra e presidente do Sinmed-MG

Subnotificação

O quadro de violência identificado pela pesquisa preocupa as entidades que representam a categoria. No entanto, os números divulgados podem esconder uma realidade muito mais grave.

A presidente da Sociedade Mineira de Pediatria (SMP), Maria do Carmo Barros de Melo, explica que poucas vezes os profissionais registram queixas das agressões verbais, que são as mais comuns. 

“Às vezes, por ser médico, o profissional entende a situação de nervosismo daquela família e releva o fato. Mas não podemos esquecer que a profissão, assim como qualquer outra, exige respeito”, avalia. 

Monitoramento

A Secretaria Municipal de Saúde (SMSA) informou, por nota, que monitora com frequência a situação nas unidades de saúde em que há relatos de violência. 

Segundo a pasta, desde junho deste ano, foi criado um fluxo de abordagem a episódios de violência que orienta os profissionais sobre quais providências e quem acionar em cada tipo de violência.

Reforço no patrulhamento preventivo é estratégia de segurança

Apesar dos esforços para melhorar as condições de trabalho nos centros de saúde da capital, o índice de ataques contra profissionais continua a crescer. 

Levantamento do Sindicato do Médicos (Sinmed-MG) aponta que, apenas nos últimos quatro meses, 160 ocorrências foram registradas em Belo Horizonte. 

A Guarda Municipal informou que está aumentando os esforços para redobrar a segurança dos servidores e da unidade, de modo que reforçou o patrulhamento preventivo de rondas motorizadas.

A assessoria de imprensa do Ministério da Saúde informou que o SUS não possui nenhum programa específico voltado para o combate à violência contra pediatras

Investimentos

Em coletiva realizada na última quinta-feira (19) no Hospital Sofia Feldman, o prefeito Alexandre Kalil afirmou que os investimentos da Prefeitura de Belo Horizonte em saúde serão criteriosos.

“A minha decisão está tomada. Os porteiros e guardas municipais não vão voltar para os postos. Não vou tirar R$ 25 milhões de remédio, médico e enfermeiro para colocar em porteiro”, garantiu.

Kalil afirmou, ainda, que se necessário, os postos de saúde podem ser mudados de lugar. “Você botar gente armada para proteger médico, enfermeiro e doente não faz parte de uma cidade que é a terceira capital do país, civilizada”, avaliou. 

Diagnóstico

Além disso, um diagnóstico sobre as condições estruturais das unidades e situação do abastecimento de insumos e medicamentos foi realizado no início do ano. Foi identificada a necessidade de obras de manutenção elétrica, hidráulica, capina, pintura, entre outros serviços.

De acordo com nota da Secretaria Municipal de Saúde (SMSA), “os trabalhos, já em andamento, são executados pela Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap) e também pela Gerência de Manutenção e Engenharia Clínica da SMSA”.

Depoimentos

“A solução para o problema passa por investimento em informação e comunicação atrelados ao aumento do número de profissionais nos postos de trabalho. Postos estes que deveriam oferecer infraestrutura mínima capaz de acomodar digna e respeitosamente profissionais e clientes”
Fernando Mendonça
Presidente do Sinmed-MG

“É preciso criar uma massa crítica de mobilização da população para que se pressione os governos e tenhamos mais condições para exercer com dignidade nosso trabalho”
Edson Liberal
Pediatra e membro da Sociedade Brasileira de Pediatria

“Houve o caso de uma pediatra que foi chamada de pedófila pela mãe da criança, apenas por causa da realização de um procedimento em que a paciente precisava tirar a roupa. Essa profissional cogitou até fazer um boletim de ocorrência contra essa mãe”
Maria do Carmo Barros de Melo
Presidente da Sociedade Mineira de Pediatria

“A situação de trabalho é muito estressante para os médicos e há um volume muito grande de pacientes. A mulher é mais vulnerável, como em todas as situações. Tivemos recentemente um caso lamentável de uma pediatra assassinada”
Luciana Rodrigues Silva
Presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria

“Vamos continuar o policiamento do entorno das unidade de saúde, que é obrigação da polícia e da Guarda Municipal. Assunto de segurança pública”
Alexandre Kalil
Prefeito de Belo Horizonte

“Normalmente, as pediatras têm uma paciência um pouco maior e acabam tendo um nível de diálogo mais tolerante com o potencial agressor. Mas, médicos e médicas sofrem violência igualmente”
Clóvis Francisco Constantino
Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria 

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