Mais do que polêmica, a decisão das empresas de ônibus da capital de manter o transporte coletivo sem cobradores aos domingos e feriados em linhas do sistema Move pode gerar demandas judiciais. Na falta do agente de bordo, cabe ao motorista assumir também a atividade do profissional, que inclui desde a cobrança da tarifa até o auxílio a passageiros. Dessa forma, o motorista estaria acumulando funções, o que, segundo as leis trabalhistas, é algo irregular.
O acúmulo ocorre quando você é contratado para uma função e, além dela, você exerce uma gama de outras atividades que evidenciam a realização de outra função ou cargo. Isso é bem claro no caso de um motorista assumindo as atividades de um cobrador. São funções distintas e os trabalhadores devem reivindicar seus direitos”, explica Antônio Queiroz Júnior, advogado e mestre em direito do trabalho.
O Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (SetraBH) defende que a circulação sem os cobradores nos ônibus das linhas troncais do sistema BRT Move, em horário noturno, domingos e feriados encontra amparo na Lei 10.526, de 3 de setembro de 2012.
Por meio de nota, o sindicato informou que “a retirada do agente de bordo somente é realizada em linhas troncais e em horários em que sua presença não é necessária, em razão da baixa utilização dos veículos, podendo o agente de bordo retornar ao serviço, caso seja verificado aumento de usuários que justifique a sua presença, ainda que seja domingo ou feriado”.
Irregular
Para o especialista em direito do trabalho, o fato de haver uma lei municipal que prevê a ausência de cobradores não justifica a medida. “A lei não isenta a empresa de ações trabalhistas porque não é competência do município legislar sobre questões trabalhistas. Essa é uma atribuição da União, pura e simplesmente. As empresas estão criando um passivo trabalhista enorme”, alerta Antônio Queiroz.
Segundo o advogado, não há um consenso do Tribunal de Justiça de Minas sobre ações de acúmulo de funções. Cada caso é avaliado de acordo com suas peculiaridades e provas apresentados. Também não há entendimento sobre valores a serem recebidos. O percentual de 30% por acúmulo de função é apenas um senso comum.
Nesse caso, para um motorista fazer a função de um trocador, deveria haver uma cláusula no acordo coletivo da categoria prevendo tal situação com o devido aumento salarial. “Bastaria uma intervenção do sindicato nesse sentido para que isso deixasse de ser irregular. Mas o sindicato não atua dessa forma porque não é do interesse dele, já que representa motoristas e cobradores e não quer a demissão dos cobradores”, avalia o especialista.
Empregos mantidos
O SetraBH nega que há possibilidade de desligamento de funcionários. “A medida não é ‘estudo’ ou ‘teste’ para a sua adoção em outras linhas e não traz risco de demissões ao sistema de transporte coletivo urbano por ônibus de Belo Horizonte”, diz a nota encaminhada pelo órgão.
Ainda de acordo com o sindicato, não há qualquer intenção de suprimir o agente de bordo de todo o sistema de transporte coletivo da capital mineira. A mudança também não teria trazido prejuízo à qualidade do serviço prestado à população da cidade.
Apesar de tentativas reiteradas, a reportagem do Hoje em Dia não conseguiu contato com o representante do Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários de Belo Horizonte e Região Metropolitana (STTRBH) responsável por falar sobre o assunto.
Apesar de o SetraBH alegar que a mudança ocorreu apenas em linhas troncais do BRT Move, a reportagem do Hoje em Dia constatou que as linhas alimentadoras, que levam passageiros dos bairros para as estações, também já rodam sem cobradores aos domingos
Ausência de cobrador desagrada motoristas e passageiros
Em poucas horas, a reportagem do Hoje em Dia flagrou pelo menos cinco linhas de ônibus rodando sem a presença de trocadores nas ruas e avenidas de Belo Horizonte no último domingo. São elas: 9206 (Vera Cruz/Buritis), 3055 (Estação Barreiro/Savassi via BH Shopping), 9501 (São Lucas/Jaraguá), 3052 (Estação Diamante/BH Shopping via Havaí) e a 62 (Estação Venda Nova/Savassi via Hospitais).
A medida gerou descontentamento nos profissionais, que tiveram que acumular as funções. Já sobrecarregados, muitos não escondem dos passageiros e colegas a avaliação negativa que fazem da mudança. Porém, por medo de perder o emprego, afirmam que é impossível “não aceitar” a situação. “Isso é a chamada crise. Muitos (trocadores) devem ser demitidos. Já nós (motoristas) ficamos empregados, mas abarrotados de serviço”, reclama um condutor da linha 62.
Prejuízo
Uma passageira também fez questão de criticar a situação. Segundo ela, isso favorece o risco de acidentes. A mulher ainda completou que, mesmo em dias de menor tráfego, como ocorre aos domingos e feriados, é imprescindível a presença de um funcionário específico para ficar por conta de receber o dinheiro dos usuários.
“O motorista não consegue prestar atenção no trânsito e levar as pessoas com segurança se tem que ficar dando troco e liberando a entrada do povo na roleta. São muitas atribuições para uma pessoa só”, gritou a passageira enquanto um dos condutores contava as dificuldades dele com a ausência do agente de bordo.
dos cobradores
De fato, em uma das viagens feitas pelo Hoje em Dia, um motorista se esqueceu de liberar a catraca após receber o pagamento. Em seguida, o homem disse: “Tenho que me acostumar ainda”. Outro motorista abordado disparou: “Isso é um absurdo, um desrespeito. O sindicato precisa intervir”.
Segundo o relato dos motoristas, ao contrário do que foi informado pelo sindicato das empresas de ônibus, que a mudança teria começado no último domingo, as linhas já estariam rodando sem trocador desde o último dia 7. A alteração estaria sendo feita a critério das empresas.
“Elas definem como e quando começa. Está sendo aos poucos, mas a tendência é que todos os ônibus fiquem apenas com os motoristas dentro dos coletivos, pelo menos aos domingos”, informou um dos condutores da linha 9501.