Em uma folha de papel, Gabriela Kaesar desenha concentrada. A pequena, de 2 anos e nove meses, diz à Marcela Dias Kaesar: “olha, mamãe, fiz você”. Na figura, os traços sem nexo têm olhos, boca, nariz e cabelo. Inicialmente compostos de rabiscos e formas sem sentido, os desenhos infantis ficam mais elaborados e ganham sentido a partir do desenvolvimento das crianças. A linguagem visual é uma das principais formas de expressão e de entendimento do mundo na primeira infância.
E esses desenhos e figuras abstratos feitos pelos pequenos têm nome: garatujas. São importantes para que as crianças desenvolvam habilidades motoras e cognitivas e consigam, com o passar do tempo, atribuir sentido à linguagem visual, explica a professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas (UFMG), Mônica Correia Baptista. “A criança é movimento e, desde que nasce, a primeira forma de se relacionar com o mundo é por meio do corpo. A medida em que ela vai crescendo, esse corpo começa a ser uma forma de interagir com o outro através da linguagem e de símbolos, e os desenhos são um veículo para isso”, enfatiza a especialista.
A professora ressalta que a significação das imagens é parte do processo de aprendizado e contato com o mundo. Mônica também lembra que as crianças passam a expressar o ambiente em que vivem por meio do traçado especialmente quando a atividade é feita junto à família. “Elas observam bastante o comportamento dos adultos e dos irmãos mais velhos. Quando os pequenos mostram um monte de rabiscos verticais para a mãe, e o adulto comenta ‘nossa, está chovendo?’ sobre o desenho, ela vai aprendendo que aquilo ali representa a chuva”, diz.
A professora Karina de Abreu entende bem como esse processo é importante em casa. Para contribuir com o desenvolvimento da filha Melissa de Souza, de 2 anos, ela comprou papel, giz de cera, tintas e canetinhas coloridas. “Coloco a Melissa e a irmã mais velha sentadas no chão da sala e elas passam horas desenhando”, conta. Muitas vezes, nem a mãe escapa da atividade. “Eu acabo acompanhando e desenhando também. Acredito que o primeiro contato com as cores e com o modo de pegar no lápis fazem parte do aprendizado”.
Os desenhos circulares e as figuras, para a pequena, têm forma: Melissa diz que as imagens representam os pais ou a irmã mais velha.
Etapa
A pedagoga e coordenadora da educação infantil do Colégio Batista, Niliane Maciel, reforça que o trabalho com as garatujas é uma etapa essencial para que a criança experimente a linguagem antes de evoluir para o registro formal escrito. “O desenho tem o poder da criança de representar, de forma simbólica, o que ela está vivendo. Além do desenvolvimento motor, ela aprende a observar e registrar a sua marca”.
Desenhos também na ponta dos dedos dos pequenos
Folhas de papel, tintas, canetas e lápis de cor perderam o monopólio do desenho. Nem sempre esses materiais tradicionais são os únicos utilizados para desenhar. Hoje, o tablet e os telefones celulares também são ferramentas que podem auxiliar na tarefa de criar imagens. Tanto Gabriela Kaesar quanto Melissa de Souza utilizam o tablet na atividade.
Com aplicativos específicos para desenhar e funções que imitam o traçado de canetas, pincéis, spray e lápis, a tecnologia é alternativa para que as crianças brinquem sem precisar de muitos recursos adicionais. No entanto, Marcela Kaesar, mãe de Gabriela, conta que a tecnologia não substitui o papel. “Ela continua pegando no lápis, mexendo nos objetos, mas o tablet é uma opção”.
A experiência nos aparelhos eletrônicos não é a mesma do papel, diz a professora Mônica Baptista. Ela ressalta que as tecnologias fazem parte do contexto em que as crianças dos dias de hoje nasceram, e afirma que eles alteram a forma de pensar dos pequenos – modo que, antes, era só analógico.
“Antes, só escrevíamos a lápis, e hoje também escrevemos no computador. Isso muda cognitivamente nosso modo de entender o mundo, nosso desenvolvimento motor e afetivo. Com o desenho é a mesma coisa”, observa.
Como são processos de aprendizagem diferentes, os pais devem motivar os filhos a desenhar tanto no papel quanto nos tablets e computadores. “Uma ferramenta não pode excluir as outras. Proibir a criança de usar o tablet é tão ruim quanto só dar o aparelho. O ideal é somar os dois meios”, explica Mônica.