Vereador usa crise para justificar volta de camelôs

Gabriela Sales - Hoje em Dia
16/10/2015 às 06:49.
Atualizado em 17/11/2021 às 02:04

(Ricardo Bastos)

Um retrocesso. Esse é o sentimento de especialistas sobre o projeto de lei nº 1.743/2015, em tramitação na Câmara Municipal de BH, que autoriza o retorno do comércio ambulante a logradouros públicos.

A proposta, em análise pela Comissão de Legislação e Justiça, altera o Código de Posturas. “O país está em crise e muitos perderam a fonte de renda. O trabalho do camelô é uma alternativa para atender a essa necessidade”, defende o autor do projeto, vereador Jorge Santos (PRB).

Caso a proposição seja aprovada, o ambulante teria de obedecer a algumas regras: pagar taxa de licenciamento, utilizar barracas padronizadas, vender produtos definidos pela prefeitura e atuar em horários pré-estabelecidos. “Essa licença fornecida pela prefeitura irá melhorar a arrecadação do Executivo e possibilitar o controle do número de ambulantes”, acredita o autor do projeto.

No fim dos anos 90, os camelôs foram retirados das ruas e realocados em shoppings populares justamente para garantir a organização do espaço público. Na época, o processo de remoção foi demorado e tenso, inclusive com embates entre camelôs e polícia.

A proposta foi duramente criticada pela Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL). “Os ambulantes irão trazer prejuízo e desemprego para o comércio. É uma concorrência desleal, pois a mercadoria é ilegal e não há pagamento de tributos”, disse o vice-presidente da entidade, Marco Antônio Gaspar.

Na avaliação de Sérgio Myssior, arquiteto e urbanista membro do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-MG), a crise não pode justificar a transformação da cidade num território sem controle. Por isso, classifica a ideia como um retrocesso. “O município tem condições de oferecer outros instrumentos de incentivo do comércio e mais oportunidades para todos”.


Nas imagens acima, vários flagrantes de comércio ambulante pela cidade. Fotos Ricardo Bastos/Hoje em Dia)

Ocupação ilegal

Com ou sem projeto de lei, muitos ambulantes já se estabeleceram nas ruas de BH, como vem mostrando o Hoje em Dia desde o início do ano. No Centro, o problema tornou-se crônico em alguns locais. Os quarteirões fechados da Praça 7 e as ruas dos Tamoios, Guarani e Oiapoque, por exemplo, estão permanentemente ocupados.

“O aspecto é de abandono. O camelô se instala e deixa um rastro de sujeira e lixo. Isso compromete a imagem da cidade”, disse a educadora física Rafaella Gomes, de 29 anos, ao passar pela região.

Violência

Para o presidente da Associação dos Moradores e Amigos da Região Central (Amarce), Vitor Diniz, além de prejudicar o crescimento da cidade, o retorno dos camelôs expõe a população a situações de risco. “Cria-se um ambiente para violência e pequenos furtos, além de termos poluição sonora e visual”.

Presidente da Comissão de Direito Público Municipal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), Henrique Carvalhais da Cunha Melo afirma que, antes de se decidir pela volta ou não dos camelôs, é preciso avaliar a ocupação da capital. “A população deve pensar qual uso ela deseja dar ao espaço público. É necessário considerar o crescimento populacional e o impacto disso na mobilidade das pessoas nos passeios”.

A Secretaria Municipal de Serviços Urbanos garante que a fiscalização é realizada em toda a cidade. Em 2014, foram feitas 19,8 mil apreensões de produtos. De janeiro a julho deste ano, o número foi de 22,9 mil. Em nota, a Prefeitura de Belo Horizonte informou que não comenta projeto de lei em tramitação na Câmara Municipal.


Desordem - Espaço público era dominado por camelôs no fim dos anos 80. (Foto: Bebel Baldoni 14/06/1989)

Passageiros do Move dividem espaço com ambulantes

Apesar de o Código de Posturas de Belo Horizonte proibir o trabalho de camelôs pelas vias e departamentos públicos, a prática é realizada livremente nos terminais de embarque e desembarque do sistema de transporte público.

A pouca fiscalização no Move tornou os locais estratégicos para a realização do comércio ambulante. “Uso o sistema todos os dias e raramente vejo fiscalização. E quando ela está presente, é omissa”, disse a servidora pública Nathália Silva, de 50 anos.

Para armazenar as mercadorias, os camelôs utilizam parte da estrutura da própria estação e o chão das plataformas. Os produtos oferecidos são variados, de alimentos a eletroeletrônicos.

No terminal Pampulha, a venda ilegal de mercadorias é realizada também por crianças e adolescentes. Nesta semana, um menino de 12 anos oferecia bombons caseiros a quem esperava o ônibus na volta para a casa. “Estudo de manhã e, à noite, ajudo minha mãe. Venho depois do dever de casa. Não atrapalha a escola”, contou.

Uma prática repreendida por usuários da estação. “A criança precisa brincar, e o tempo livre é para o descanso. Esse trabalho é cansativo”, afirmou a professora Cássia Heloísa de Assis, de 46 anos.

FEIRA LIVRE

A Regional Pampulha, responsável pela fiscalização do terminal, garantiu, em nota, que a fiscalização é realizada rotineiramente na estação. Apesar de afirmar que as apreensões das mercadorias são feitas constantemente, a reportagem passou uma tarde no terminal e não viu nenhum fiscal no local.

Na estação Vilarinho, em Venda Nova, a presença dos ambulantes também é constante. “Virou terra sem lei. Não há fiscalização e nem a segurança pode intervir nessa prática ilegal”, disse o enfermeiro Adamastor de Castro, de 32 anos.

A Regional Venda Nova esclareceu, também em nota, que realiza vistorias no local na tentativa de coibir o comércio ilegal. A gerência ressaltou que a população pode denunciar e solicitar a fiscalização nesses espaços.
 

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