Vidas à margem: após desapropriações, construções irregulares renascem na avenida Antônio Carlos

Raul Mariano
rmariano@hojeemdia.com.br
16/05/2017 às 19:23.
Atualizado em 15/11/2021 às 14:35

O surgimento de construções irregulares às margens da avenida Antônio Carlos já começou a modificar a paisagem urbana de um dos principais corredores de trânsito de Belo Horizonte. Em uma das alças do viaduto Moçambique, inaugurado há seis anos na altura do bairro Cachoeirinha, na região Nordeste, pelo menos duas famílias já estão vivendo em uma área que, segundo os próprios moradores, deverá receber mais cinco casas nos próximos meses.

Recém-chegados ao local, o grupo de aproximadamente dez pessoas explica que a área pertencia à extinta Transoto, empresa de ônibus que utilizou o espaço como garagem até os anos 1980. Durante o processo de desapropriação para alargamento da avenida, o lote não teria sido incluído dentro de tudo que foi indenizado pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH).

Tijolo a tijolo, o terreno vai sendo ocupado por pessoas que alegam não ter encontrado outra forma de conseguir a própria moradia. É o caso do lavador de carros Antônio Eustáquio Rodrigues, de 63 anos. Há dois meses, ele vive em um barracão de madeira com a companheira e trabalha no alicerce do futuro lar.Flávio Tavares/Hoje em DiaAntônio Eustáquio relata drama, mas garante que não deixará o lar

Antônio conta que já morou em ocupações onde dormia sob barracas de lona e chegou a ter um imóvel próprio no bairro Jardim Felicidade, na zona Norte da capital. No entanto, depois de se divorciar, perdeu a casa na Justiça e, desde então, passou a viver sem teto. 

“Até agora, ninguém da prefeitura veio conversar. Mas, de qualquer forma, não saio daqui de jeito nenhum. Podem até apontar um revólver para o meu peito que eu digo: atira!”, garante o idoso, com lágrimas nos olhos.

Déficit

O sofrimento de Antônio não é um caso isolado. O déficit habitacional da Grande BH é de pelo menos 155 mil moradias, sem contar os imóveis da área rural, segundo o último levantamento divulgado pela Fundação João Pinheiro, em 2014. Para especialistas, o número atual pode ser ainda maior se for considerada a recessão econômica. Flávio Tavares

Depois de morar em várias ocupações, Antônio Eustáquio está vivendo em um terreno na Antônio Carlos; ao lado da companheira, ele afirma que não tem para onde ir e continuará no local

O urbanista Sérgio Myssior explica que o problema é fruto da falta de planejamento urbanístico nas grandes reformas viárias da capital. Para ele, nenhuma ação de retirada de moradores resolverá o impasse se não houver projetos de habitação de interesse social junto a esses corredores.

“Quando uma avenida é ampliada, você também aumenta a demanda de ocupação daquela área, seja em caráter formal ou irregular. Portanto, não é só uma questão de entrar com o paisagismo, mas de criar um projeto responsável de renovação urbana”, afirma Myssior.

Edificações podem ser demolidas

À espera de que o pior não aconteça, os moradores que ocupam o terreno às margens da avenida Antônio Carlos sabem que podem ser notificados a qualquer momento a deixar o local. De acordo com a prefeitura, dentre os vários instrumentos legais para impedir a ocupação da área, há o embargo, multa, interdição e até mesmo a demolição das construções. 

A intervenção pode acontecer mesmo que o terreno não pertença ao município, como é o caso em questão. Segundo a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), “a prefeitura desapropriou no local citado o total de 12 lotes. Em três deles foi feita a desapropriação integral e no restante, parcial. Sendo assim, as áreas remanescentes continuam sendo propriedades particulares”.

Hoje, segundo as secretarias municipais Adjunta de Regulação Urbana (Smaru) e de Planejamento Urbano, há 270 áreas com ocupações irregulares na cidade. Elas incluem desde bairros inteiros até áreas com um ou dois quarteirões.

No entanto, as pastas informaram que “não é possível quantificar precisamente o número de moradores, tendo em vista que são números variáveis”. 

A Transoto, empresa que continua sendo proprietária do terreno e hoje funciona como uma imobiliária, foi procurada pela reportagem, por telefone, mas não se manifestou até o fechamento desta edição, conforme o combinado. Flávio Tavares

Construções irregulares já começam a mudar a paisagem urbana de um dos principais corredores da capital mineira. A poucos metros da casa de Antônio Eustáquio, outra casa já foi construída sem o aval da PBH.

A Prefeitura de BH não informou quanto foi investido na desapropriação de imóveis comerciais e residenciais às margens da Antônio Carlos. No entanto, no site da administração municipal há a informação de um investimento de pelo menos R$ 300 milhões feito na ampliação da avenida, incluindo os gastos com remoções e reassentamento.

Ocupações

No início de abril, o prefeito Alexandre Kalil visitou a região do Izidora, formada pelas ocupações Rosa Leão, Esperança e Vitória, na zona Norte de BH.

Na ocasião, ele explicou que tentará levar para o local pavimentação, água, luz e esgoto, além de coleta de lixo e postos de saúde. 

Kalil destacou que apenas 1% da área é de propriedade da prefeitura. Todas as ações de reintegração de posse, por parte da PBH, estão canceladas.

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