MOSCOU - Ainda se fala no Brasil com certo tom de desprezo sobre a Geração Belga. Trata-se de uma daquelas bobagens regadas de desconhecimento; uma espécie de fenômeno reverso: primeiro surge um modismo de algo elogiar; depois, uma birra pautada no fato de o alvo ser supostamente “nutella”, “modernoso”; o próximo passo é espalhar-se a sensação de que é “cool”, “raiz”, criticar; há também um quê de catarse nesse movimento de somente apropriar, sem qualquer reflexão e/ou curiosidade real pela informação, uma opinião que se avalia como “forte”, repleta de “personalidade” – e no fundo é tosca, anti-intelectual.
Aqui na Rússia, entre jornalistas brasileiros, outra epidemia que tenho notado: a de considerar que a Bélgica – assim como teoricamente aconteceria com México, Chile, Croácia (...) – “amarela”; sentiria o peso de enfrentar camisas mais “pesadas”. Nem descarto inteiramente a chance de um tipo de intangível desta natureza vez por outra realmente participar, interferir; por outro lado, óbvio, este discurso costuma banhar-se de um simplório totalmente palpável. No caso específico da trupe do bom Roberto Martínez não me parece ser o caso de apostarmos numa “tremedeira”. É necessário apreender algumas sutilezas. Não é apenas um esquadrão repleto de caras que jogam em grandes clubes da Europa e que, por isso, já estão calejados diante de muita pressão; importante é atinar para o papel que vários deles executam nestas agremiações: líderes morais (Kompany), técnicos (Courtois, De Bruyne, Hazard, Mertens, Lukaku...); inúmeros que preenchem as duas colunas; indivíduos protagonistas, que assumem, pegam a bola e resolvem, por isso são cobrados. O Japão talvez tenha sido um tanto inocente. Ofereceu em demasia o contragolpe no lance final. Observemos, contudo, que ninguém ali nesta transição ofensiva pestanejou. Os gestos técnicos saíram perfeitamente. Os passes, com a exatidão devida...
Outro clichê: o Brasil prefere jogar contra adversários que se expõem, atacam, dão espaços. Relativo. Para mim trata-se muito mais de um bicho com duas caras e que, no fundo, pode depender de circunstâncias, do que calhar de encaixar. Realmente às vezes os buracos oferecem o desafogo que alguns de nossos craques – e velocistas – carecem para uma estocada letal; uma pequena lacuna, um piscar de olhos: quem sabe o latifúndio que Neymar, Willian e Jesus precisam para conduzir a bola; e quando os inimigos perceberem... Tarde demais. Mas uma pressão à qual não estamos acostumados pode incomodar, desestabilizar. Mexer com o natural, com o planejamento, até indiretamente. Quando o México apertou nossa saída de bola nos minutos iniciais, diga-se, não respondemos tão bem. No fundo, acima de qualquer uma destas teorias, mais difícil é afrontar rivais com jogadores talentosos. Ponto. Isso quase sempre sobrepuja aspectos como “preferência por lidar com retrancas ou conjuntos agressivos”. E a Bélgica, assim como o Brasil, tem talentos em profusão.A Premier League é o melhor campeonato do mundo. De Bruyne, se perdeu para alguém no último inglês foi, no máximo, para Salah. No City, campeão absoluto, destacou-se como o mais importante do time. Na temporada anterior, no Chelsea de Conte, Hazard ganhou status de craque do título. Mertens, apesar de baixinho, no Napoli destrói inclusive como “falso 9”: Higuaín saiu para a Juventus, Milic chegou com banca para substituí-lo, mas quem resolveu o problema de gols foi o belga que antes atuava pelos flancos. Lukaku às vezes é até cornetado em Old Trafford: não deixa de ser, todavia, centroavante de ótima linha. E não se enganem pelo corpanzil: o tanque tem velocidade, explosão, arrancada. A lista poderia continuar...