(Maurício Vieira)
Fruto da precarização das relações trabalhistas, já que a maioria atua de maneira autônoma e na informalidade, sem garantias e benefícios dos registros em carteira, motoboys e entregadores planejam para hoje uma greve nacional da categoria. A iniciativa foi articulada por meio de grupos de Whatsapp e sem lideranças ligadas a sindicatos, por exemplo – nos moldes da greve dos caminhoneiros, que parou o país em maio de 2018. O alvo dos protestos são aplicativos como iFood, Uber Eats e Rappi.
Na capital mineira, a estimativa dos organizadores do movimento, chamado de “Paralisa BH” e divulgado nas principais redes sociais, é de que a adesão seja de, ao menos, 70% dos cerca “de 2 ou 3 mil trabalhadores na região” – ninguém sabe precisar o tamanho da categoria. Centenas deles também prometem comparecer a uma manifestação, às 9h, na praça da Assembleia, região Centro-Sul. “Todos com máscaras”, segundo anúncio do evento.
“Nossas reivindicações incluem, entre outros pontos, tarifas mínimas dignas por quilômetro rodado, seguro contra acidentes, pago pelas empresas, e ampliação da ajuda de custo para aquisição de itens de higiene, durante a pandemia da Covid-19”, diz um dos articuladores do movimento em BH, que pediu anonimato por temer retaliações dos aplicativos.
Embora não seja coordenador da greve, Cristiano Ferreira, conhecido entre os colegas como “Motoboy Cristiano”, de 46 anos, confirmou presença na manifestação. “A verdade é que muitos de nós viraram escravos dos aplicativos. Por corridas de dez quilômetros, por exemplo, estão pagando R$ 5. Quando a tarifa sobe, não chega a R$ 8”, afirma.
O entregador Kevin Thomas, de 24 anos, também se queixa das taxas pagas pelos apps, que eram bem maiores antes da pandemia. “Hoje, para tirar um salário mínimo, tenho que fazer dez horas ‘de corre’ por dia. Acho que há muita exploração”, diz ele, que começou a trabalhar no segmento, com bicicleta, há um ano e meio, após ficar desempregado.
Para o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci, o movimento dos motoboys – fundamentais para a sobrevivência de tais estabelecimentos em cidades onde estão proibidos de receber clientes por causa da pandemia, como a capital – é justo.
“É óbvio que isso representa um transtorno muito grande para nós, porque o delivery é nosso único canal de vendas no momento. Mas entendemos ser importante que os aplicativos atendam aos interesses dos motoqueiros, principalmente na questão do bem-estar e da segurança deles e ainda nas questões sanitárias, nesse tempo de Covid-19”, ressalta.
Solmucci discorda, contudo, da queixa da categoria de que estaria, supostamente, “escravizada” pelas empresas online. “O mercado para motoboys é amplo, não se restringe a tais plataformas, que representam só de 10% a 15% das nossas entregas, por exemplo. Sem falar de outros setores que também usam os serviços deles ou têm motoqueiros próprios, como farmácias e supermercados”, afirma.
Empresas de entrega reconhecem direito à greve, negam abuso e garantem transparência
Nos grupos de Whatsapp criados para organizar a greve, surgiu ontem a informação de que, temendo paralisação das entregas, aplicativos estariam oferecendo vantagens aos motoboys. Um deles pagaria 30% a mais por quilômetro rodado, nesta quarta.
“Outro anunciou cinco entregas por um valor bem acima do habitual. Só que, quando chegar a quarta chamada, tenho certeza de que param de acionar aquele moto-entregador”, conta o “Motoboy Cristiano”.
Procurados pela reportagem, apenas dois dos principais aplicativos enviaram posicionamentos. O colombiano Rappi informou, por nota, que “reconhece o direito à livre manifestação pacífica e busca continuamente o diálogo com os entregadores parceiros”.
Também lembrou que, desde o ano passado, entre outros benefícios, oferece aos colaboradores “seguro para acidente pessoal, invalidez permanente e morte acidental”, além de firmar parcerias que possibilitam descontos nos custos fixos dos motoboys e entregadores de bike.
Já a Uber Eats esclareceu que todos os ganhos oferecidos pela empresa “estão disponibilizados de forma transparente para os entregadores parceiros, no próprio aplicativo, ficando clara cada taxa e valor correspondente”. “Os valores pagos pelo consumidor para cada entrega são determinados por uma série de fatores, como a hora do pedido e distância a ser percorrida”,destaca o app, que garante ainda dar “assistência financeira para motoristas e entregadores e reembolso de álcool em gel e produtos de limpeza”.