(Henrique Alqualo/Divulgação)
Nos anos de moleque, Jorge José de Lira, o Du Peixe, vocalista da Nação Zumbi, gastava suas tardes produzindo "seletas" em fitas K7 para ele mesmo e para distribuir para os amigos. Viaja, musicalmente, do berço da soul e do funk com James Brown, aos ritmos frenéticos do afrobeat do nigeriano Fela Kuti. Para apimentar a seleção, as incrementava com músicas de bandas como o Tortoise, grupo post rock instrumental e esfomeada por experimentações e ruídos. Cada fitinha daquelas, diz Du Peixe, carregava uma viagem por distantes lugares do tempo e espaço. "Era possível viajar com elas ali", explica.
O Du Peixe que fala à reportagem viveu mais de três décadas desde então. Tocou em festinhas, foi DJ, passou a integrar o time de percussão do grupo liderado pelo amigo Chico Science que revolucionou o rock nacional na década de 1990, a Chico Science e a Nação Zumbi. Perdeu o vocalista num acidente automobilístico e encontrou forças, com o restante do grupo, para seguir com a Nação. Assumiu o microfone e, diante dele, lançou seis discos.
Todo esse currículo por extenso serve para expor a distância temporal entre o Du Peixe que regravava as fitinhas para o de hoje, aos 50 anos, pronto para lançar um novo álbum com a Nação Zumbi, em uma clara homenagem aos tempos nos quais as K7 dominavam o sistema de som do jovem. Porque Radiola NZ Vol. 1, lançado nesta sexta-feira, 24, é uma reunião de histórias musicais. Uma espécie de playlist em forma de disco com inspirações na curadoria musical realizada manualmente durante os anos 1970 e 1980. Mudou-se a mídia (o disco sairá formato físico e nas plataformas digitais), mas a vontade de viajar pela música é a mesma.
Radiola NZ é um álbum no qual a Nação Zumbi se abriu para reinterpretar as obras de outros cantores e compositores. Ao longo dos dois últimos anos, o quinteto - formado por Du Peixe (voz), Lúcio Maia (guitarra), Alexandre Dengue (baixo), Pupillo (bateria) e Toca Ogan (percussão) - buscou as músicas que mais lhe traziam boas lembranças. Ao fazê-lo, enfim deram corpo a um projeto estacionado na casa das ideias da banda desde antes do lançamento do segundo álbum deles, Rádio S.Amb.A., de 2000.
E o "Vol. 1", do título, não esconde a ideia de dar continuidade ao projeto. Nesta primeira edição, chegaram a nove canções, de Gilberto Gil (a lindíssima Refazenda, de 1975) a Ashes To Ashes (uma música de David Bowie lançada em 1980, com uma vibe mezzo new wave, mezzo funk, na qual ele desconstrói o personagem Major Tom, personagem da canção Space Oddity, e o transforma em um junkie). Na primeira, o arranjo de Letieres Leite e a Orquestra Rumpilezz chamam a atenção para essa nova visão do sertão de Gil. Na canção de Bowie, a voz grave de Du Peixe se mostra bem acompanhada do grave que estoura os fones característico nos discos da Nação. "Ouvíamos muito essa música nas festas no Recife. E, quando era DJ, também colocava para tocar", relembra
"É preciso ter cuidado. Não é simples fazer uma versão", continua Du Peixe. O núcleo da Nação (Du Peixe, Maia, Pupillo e Dengue) têm experiência no equilíbrio entre respeitar e ousar na obra alheia há 19 anos - desde 1998, eles também formam o grupo Los Seboso Postizos, uma banda dedicada a interpretar o cancioneiro de Jorge Ben Jor. Do projeto com Ney Matogrosso, centrado na apresentação no Rock in Rio 2017, ficou Amor, música dos Secos & Molhados.
Sai dessa radiola (nome dado também às vitrolas e aos soundystens do Maranhão) uma linguagem muito própria da Nação, capaz de imprimir uma estética de diálogo entre Tomorrow Never Knows, canção de autoria de Paul McCartney e John Lennon, do disco Revolver (1966), dos Beatles, com a poesia de Taiguara registrada por Erasmo Carlos no seu mais clássico disco, Carlos, Erasmo, chamada Dois Animais na Selva Suja da Rua.
Não alheia a seu tempo, a Nação refaz o sentido das fitas cassete com Radiola NZ, importando o conceito para o mundo da música digital. E Du Peixe, aos 50, mantém o hábito da adolescência: vez ou outra envia para os amigos uma nova seleção de músicas - agora, no formato de playlists no Spotify.
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As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
http://www.estadao.com.br