'Nossa Cidade' mostra o atual domínio dos EUA

Ubiratan Brasil
04/10/2013 às 13:09.
Atualizado em 20/11/2021 às 13:03

Antunes Filho tem uma interessante definição sobre a concepção artística - basta lembrar da forma de trabalho do pintor holandês Van Gogh: depois de observar os girassóis, ele não se limitava a reproduzi-los na tela. "Van Gogh submetia a natureza à vida e apresentava a sua visão", conta o encenador, que realiza algo parecido com "Nossa Cidade", uma (re)construção da peça do americano Thornton Wilder, que estreia nesta sexta-feira, 4, no Teatro Anchieta, no Sesc Consolação, em São Paulo.

"São duas dramaturgias unidas: a de Wilder e a minha, que modifica, atualiza, mas mantém o respeito pelo original", conta Antunes. "Ele brinca com o espaço e o tempo, o que me permite promover uma criação dialética com a dele." Encenada pela primeira vez em 1938, "Nossa Cidade" (que valeu o prêmio Pulitzer a seu autor) logo tornou-se referência na dramaturgia mundial por eliminar todo o aparato cenográfico: em cena, sobraram algumas cadeiras, duas escadas de serviço e duas treliças móveis apresentadas como uma concessão irônica "aos que acreditam que é preciso ter um cenário", segundo observação do próprio Wilder.

Aos atores, cabia a principal função criativa, ou seja, apresentar as ações cotidianas, indicar e descrever a localização de objetos inexistentes, desvencilhar-se das convenções espaço-temporais do texto e, por extensão, dos recursos ilusionistas da cena italiana.

Antunes manteve o mesmo espírito ao transferir para o palco do Anchieta a sua sala de ensaios, com um aparato cênico que traz a precariedade de um "não cenário", como pede o próprio dramaturgo nas primeiras palavras do texto original. "Antunes buscou algumas fendas deixadas no texto de Wilder para mostrar como o ‘american way of life’ passou a determinar as regras sociais de todo o mundo", observa o ator Leonardo Ventura, que vive um dos principais papéis de "Nossa Cidade": o Diretor de Cena, um personagem que indica o tempo, delimita os lugares da ação e impõe limites à atividade crítica do espectador, extraindo conclusões sobre o significado do que está em cena. É ele quem apresenta as famílias Gibbs e Webb, que, na pequena cidade norte-americana de Grover’s Corners, no início do século 20, vivem um cotidiano cheio de pequenas descobertas.

Mas, se na versão original de Thornton Wilder, o narrador é onisciente e tem a missão de fornecer informações normalmente veiculadas por meio dos diálogos, o Diretor de Cena de Antunes Filho assume uma função física no espetáculo, criando e interagindo com os demais personagens. E, dessa relação, surge uma narrativa que mostra como o mundo hoje é totalmente moldado pela concepção americana criada após a grande crise de 1929, quando a quebra da Bolsa de Valores de Nova York detonou uma depressão financeira que se alastrou pelo mundo. "Quando escreveu a peça, Wilder ainda vivia a quentura do presente e não dispunha do distanciamento temporal necessário de que hoje desfrutamos para avaliar as consequências daqueles acontecimentos", comenta Antunes.

NOSSA CIDADE - Sesc Consolação. Teatro Anchieta. Rua Dr. Vila Nova,
245, Vila Buarque, 3234-3000. 6ª e sáb., às 21 h; dom., às 18 h. De R$ 6,40 a R$ 32. Até 8/12.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
http://www.estadao.com.br

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