O que espera pelo futebol brasileiro com uma derrota arrasadora na Copa do Mundo

Mamede Filho - Hoje em Dia
Publicado em 10/07/2014 às 07:34.Atualizado em 18/11/2021 às 03:19.

Os efeitos da pancada ainda são muito fortes e vai demorar demais para que a ferida possa cicatrizar. Levar sete gols da Alemanha no Mineirão é um vexame comparável ao eterno Maracanazo. Mas é em um momento de dor profunda como este que pode surgir as reflexões necessárias para o futebol brasileiro.

A trágica despedida de mais um Mundial vai além de uma falha individual, de um dia em que as peças não se encaixaram. Claro que a força de um adversário como a Alemanha deve ser levada em conta. Claro que ter perdido seu maior astro no jogo anterior seria um baque difícil de digerir. Mas a superioridade germânica em campo foi tão grande que ninguém se atreveria a vislumbrar uma história diferente caso o camisa 10 canarinho estivesse em campo. A eliminação e os muitos erros cometidos são reflexo da crença em verdades há muito tempo ultrapassadas.

A Copa do Mundo no Brasil já faz parte do passado para a Seleção. Chegou o momento de olhar para frente, planejar um novo futuro. Encarar as consequências de uma amarga derrota. Só assim o hexa deixará de ser um delírio para se tornar um objetivo viável no futuro.

1 - Professores contestados

Não é de hoje que os treinadores brasileiros são questionados, e motivos não faltam. A maioria dos nossos professores ainda se apega ao estilo “motivador” e coloca em segundo plano questões táticas, em um esporte de nível tão alto que os detalhes costumam separar vencedores de vencidos. A falta de confiança nos técnicos nascidos no país ficou claramente refletida na Copa do Mundo. Pela primeira vez, desde o Mundial de 1994, nos Estados Unidos, nenhum brasileiro comandou uma outra seleção no principal torneio do futebol. E isso em uma Copa em que 15 das 32 equipes foram treinadas por estrangeiros.

A clara limitação tática do time de Luiz Felipe Scolari evidenciou, mais uma vez, os problemas de uma profissão que exige cada vez mais conhecimento em detrimento da motivação. Os professores brasileiros terão de se reinventar.

2 - Geração em risco

Muitos dos convocados por Felipão disputaram nessa terça-feira (8) sua última partida de Copa do Mundo, mas vários outros têm idade suficiente para estar em campo daqui a quatro anos, na Rússia. Dos 23 convocados para o Mundial no Brasil, 12 têm 27 anos ou menos. E alguns dos mais promissores jogadores brasileiros possivelmente estarão no auge físico e técnico quando a bola rolar na próxima competição máxima do futebol. Neymar e Oscar têm 22 anos, Paulinho e Willian completaram 25, e Bernard festejou apenas 21 aniversários.

Mas qual será o impacto da eliminação humilhante dessa terça em jogadores tão jovens? Estrela maior da companhia, Neymar, cortado da Copa com uma vértebra fraturada diante da Colômbia, provavelmente não está preocupado com isso. Mas os companheiros, incapazes de suprir a ausência do camisa 10, terão de lidar com o vexame na semifinal. O trauma nem de longe terá o efeito do Maracanazo nos atletas de 1950. Porém, mesmo amenizados, os efeitos da eliminação serão sentidos por essa geração. Resta saber quem terá equilíbrio mental para superar esse revés. Os exemplos na Copa não foram muito animadores.

3 - Obrigação olímpica

A perda da Copa do Mundo de maneira tão humilhante lançará ainda mais pressão sobre os jogadores que disputarão, daqui a dois anos, os Jogos do Rio de Janeiro. A medalha de ouro olímpica, única grande conquista que falta à Seleção, se tornou uma obsessão nas últimas décadas, e agora surge como alternativa para minimizar os efeitos da derrota dessa terça. Por tudo isso, o trabalho em torno dos atletas precisa ter o lado psicológico valorizado. Apenas três dos 18 convocados para as Olimpíadas podem ter idade superior a 23 anos. Não será fácil para jogadores tão jovens assumir a responsabilidade, não apenas de vencer o único título que falta ao futebol brasileiro, mas apagar mais uma dolorosa eliminação no nosso esporte mais popular.

4 - Manada de elefantes

Uma dura realidade esperava pelo Brasil em um futuro próximo, com o hexa vindo ou não. O que fazer com os estádios construídos para a Copa do Mundo em cidades onde o futebol não é forte? Segundo um levantamento do Instituto Dinamarquês de Estudos do Esporte (IDEE), quatro das 12 sedes brasileiras do torneio da Fifa correm sério risco de se tornar “elefantes brancos”. Os “condenados” são o Mané Garrincha, em Brasília; a Arena Amazônia, em Manaus; a Arena Pantanal, em Cuiabá, e o Estádio das Dunas, em Natal.

Sem clubes na elite nacional, estas quatro sedes raramente terão a oportunidade de ver as milhares de cadeiras de seus estádios ocupadas novamente. A solução para atenuar o problema será a realização de partidas de clubes populares nessas cidades e a aposta em eventos. Mesmo assim, será pouco para justificar o valor das obras e da manutenção destes espaços.

5 - Herança maldita

O comando do futebol brasileiro trocará de mãos em breve. Pelo menos na teoria, pois a mudança não será nem um pouco profunda. A partir de abril do ano que vem, o atual presidente da CBF, José Maria Marin, vai virar vice. E o atual vice, Marco Polo Del Nero, assumirá o posto de mandachuva. Neste cenário, a grande mudança para a cartolagem da entidade deve mesmo ser provocada pela eliminação vexatória na Copa do Mundo. Mesmo sem desejar a alteração da ordem vigente, a nova derrota em gramados nacionais vai gerar maior pressão sobre os responsáveis por controlar o esporte mais popular do Brasil. Movimentos que lutam por uma transformação no futebol, como o Bom Senso, tendem a ganhar mais apoio popular e força política.

6 - Namoro a distância

A derrota amarga no Mineirão provavelmente coloca fim no resgate de um caso de amor há muito perdido. O relacionamento entre a torcida brasileira e a Seleção esfriou com o passar dos anos. Os motivos para isso são bem identificáveis. Amistosos e torneios disputados no exterior, jogadores em times do Velho Continente. Tudo contribuiu para destruir um casamento que parecia inabalável até a década de 1990. Nos últimos 20 anos, os clubes passaram a ocupar um espaço cada vez maior no coração do brasileiro, mas o retorno do Mundial ao país reacendeu a velha paixão. Agora, com a nova decepção, e de forma tão arrasadora, os dirigentes do futebol nacional terão de trabalhar muito para que o divórcio não seja a única saída. E afastar novamente a Seleção de seu povo não parece o caminho mais apropriado.

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