Fazer política econômica no Brasil é como procurar uma saída de um cipoal cheio de falsas entranças e de muitas armadilhas. É antes de tudo uma arte que pressupõe conhecimento inovador, experiência acumulada e julgamento informado. Não é um desafio que possa ser enfrentado por principiantes nem por voluntaristas.
Jean Ladrière, da Universidade de Louvain, dizia que atuar por meio de uma sequência de decisões casuísticas de curto prazo, desarticuladas de uma visão arquitetada de futuro, pode levar a resultados não apenas inesperados, mas também inconsistentes e contraditórios aos objetivos propostos inicialmente. Os agentes e as instituições governamentais se entrelaçam nos mecanismos que eles próprios criaram e passam a ser conduzidos por um processo acumulativo aparentemente sem limites. Vejamos um exemplo.
Desde a liberação pela Receita Federal das declarações do Imposto de Renda relativas ao período de 2008 a 2014, vários estudos foram elaborados por técnicos do IPEA para analisar a distribuição de renda e de riqueza no Brasil, à semelhança das pesquisas de Thomas Piketty, de maneira mais abrangente do que permitem as informações da PNAD (Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios do IBGE). Concluíram que o Brasil, entre os países desenvolvidos e os emergentes, é o que detém maior concentração de renda e concentração de riqueza financeira e não financeira. Entre os muitos indicadores de concentração, estimam que o meio milésimo (0,05%) mais rico da população concentra 8,5% da renda das famílias brasileiras, algo socialmente injusto mas também economicamente ineficiente.
Pois bem, no início do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff a ênfase da política econômica tem sido na concepção e implementação de um ajuste fiscal na tentativa de colocar em ordem as finanças públicas, totalmente desorganizadas e desestruturadas ao longo de seu primeiro mandato em função de decisões casuísticas e voluntaristas. Mas a emenda tem sido pior do que o soneto. O ajuste tal como formulado é adequado para o tratamento de ciclos conjunturais, mas a nossa crise é de natureza estrutural. O que se ganha de cortes no Orçamento Geral da União através de dramáticas disputas e tensões políticas vai se perdendo no cotidiano dos déficits previdenciários, dos subsídios fiscais e financeiros, etc. pela predominância de decisões ad hoc e pela ausência de reformas estruturais.
Sem que se perceba, muitas decisões que buscam o ajuste fiscal têm provocado um processo de reconcentração da renda e da riqueza no país, algo que ficará evidente nos indicadores socioeconômicos após o longo ciclo recessivo que estamos vivendo. A elevação das taxas de juros, o crescimento acelerado das taxas de desemprego e subemprego, o corte nas despesas das funções básicas do governo e a redução do poder de compra da massa salarial têm levado os detentores da riqueza financeira a ganhos crescentes e a perdas crescentes para a classe média (a nova e a tradicional) assim como para os mais pobres da nossa sociedade.
O que se avançou com as políticas sociais compensatórias em termos de redução da pobreza e da miséria desde o Plano Real, vai se esvaindo nos últimos anos através de uma política econômica que traz em suas entranhas as cicatrizes das desigualdades sociais.