Obra do Mundial afasta alunos e educandário é fechado

Bruno Moreno - Hoje em Dia
Publicado em 15/05/2014 às 08:04.Atualizado em 18/11/2021 às 02:35.
 (Samuel Costa)
(Samuel Costa)

RECIFE – Desde o início do ano, as tardes em uma rua do bairro São Francisco, na cidade de Camaragibe, na Região Metropolitana de Recife, não são mais as mesmas para a pequena Luíza*, de 7 anos. As brincadeiras na rua, agora, ganharam uma atividade a mais: fazer o dever de casa.

Regularmente, ela sai de casa com livro a tiracolo e se senta em frente à sua antiga escola, o Educandário Bom Jesus. Na mureta da calçada folheia a edição, no aguardo da antiga professora, Marcione Ferreira da Cruz, de 51, conhecida como Cione.

Aluna e professora não foram desapropriadas por causa das obras do Mundial de futebol. Entretanto, são vizinhas de uma desapropriação para a construção do Ramal da Copa, uma via que ligará Recife à Arena Pernambuco, construída em São Lourenço da Mata. Além disso, há o projeto de aumentar o Terminal Integrado de Passageiros (TIP), que fica próximo à escola.

Por isso, um boato e a incerteza do que iria acontecer com a escola foram suficientes para que a instituição de ensino fechasse as portas. Luíza e Cione moram próximas ao estádio e no entorno do que seria a Cidade da Copa, um megaempreendimento imobiliário que teria a arena como ponto de partida para a abertura de uma nova fronteira de urbanização na Grande Recife.

"Um rapaz me disse que se for sair daqui não tem nada a ver com a Copa. Vai ser para 2016. Sobre a falta de informação, não posso acusar ninguém. Fui atrás, mas não consegui. O povo se encarregou de falar. Não posso culpar o povo, porque ele tem medo. Não podia segurar a turma (os alunos). O que eu disse é minha palavra: não vai sair”, lembra a professora.

Medo de fechar

Neste ano, com a saída de muitos moradores do entorno, nenhuma mãe se arriscou a matricular o filho no educandário, com receio de que, no meio do ano letivo, a escola fosse desapropriada. Luiza foi para uma escola do bairro vizinho, e, agora, vai de transporte escolar.

“Eu queria ter uma certeza, se fossem derrubar ou não. Para mim foi muito triste. Eu não esperava que, realmente, parasse a escola. Eu gostava de trabalhar, de estar com as crianças. Eu paro ali na calçada e os meninos falam assim: Tia Cione, você me ensina a tarefa? A escola foi pra rua. E o bom é que eu gosto”, conta, com lágrimas nos olhos.

De acordo com a Procuradoria Geral do Estado de Pernambuco, no Recife, em Camaragibe e Olinda foram desapropriados 459 imóveis, ao custo de R$ 102,5 milhões.

Escola desapropriada pela segunda vez não tem para onde ir

FORTALEZA – Há mais de 20 anos, a professora Nete Gomes, de 43 anos, trabalha na escola Irmã Iolanda Brasil, na capital cearense. Construído na beira da antiga linha de trem, no bairro Aldeota, o imóvel é um dos 2.185 que serão desapropriados para a implantação do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) de Fortaleza. Mas, até o momento, Nete não sabe para onde vai a instituição. A escola comunitária atende 70 crianças e já havia sido desapropriada anos atrás. Agora, terá que mudar mais uma vez de endereço.

“A maior preocupação deles (dos pais) é com a escola dos filhos. Muitos já assinaram (acordo para serem desapropriados) e o dinheiro não caiu na conta. Os moradores estão ficando sem opção e os preços das casas estão aumentando. Eles estão indo para bairros muito distantes e muito perigosos”, lamenta a professora.

Nete encara seu trabalho como uma missão, e critica a postura de governantes com relação ao que foi prometido para o Mundial de futebol. “Eles colocaram como se a Copa do Mundo fosse deixar pra gente um grande legado. O legado que a gente está vendo é de famílias que estão perdendo as moradias, escolas perdendo alunos”, argumenta.

Enquanto se divide entre o ensino e a administração da escola, ela perde as noites de sono, sem saber qual será o destino dos alunos. “Hoje o futuro delas (das crianças) é a incerteza. Se daqui a quatro meses elas vão ter a escolinha, não sei. A gente está vendo que vai ficar sem escola. Porque a gente não tem condições de arrumar um espaço de uma hora pra outra. A nossa grande preocupação é essa. É um dano social que o governo está provocando, que só se preocupa em construir estádio”, avalia.

O governo do estado do Ceará informou que está garantindo moradia a todos os reassentados pelo projeto do VLT, oferecendo imóveis e pagando aluguel social.

*Nome fictício

selo tim lopes

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