Perspectiva RacialUm espaço para mostrar como o racismo se revela no cotidiano, a fim de que toda a sociedade compreenda a importância de se engajar nessa luta. Andreia Pereira é doutora em Literatura (UnB), servidora pública federal, jornalista, professora, pesquisadora e palestrante.

O racismo matou Michael Jackson

Publicado em 28/06/2022 às 06:00.

A morte do ícone do pop Michael Jackson em 25 de junho de 2009 ainda é cheia de mistérios e alimentada por diversas teorias da conspiração. A de que o superstar ainda está vivo e a de que o cantor Bruno Mars é filho dele estão entre as mais curiosas. Em um rol de explicações sobre um artista que teve uma vida tanto extraordinária quanto polêmica, lanço mais uma teoria, que, talvez, não seja tão infundada assim.

Michael era um dos nove filhos de Joseph Jackson e Katherine Jackson. São muitos os artigos e livros biográficos que apontam a austeridade de Joseph no processo de educação dos filhos. O próprio Michael abordou em entrevistas a relação complicada com o pai. Sem querer justificar a conduta rígida do pai, é válido lembrar que estamos falando de uma família negra dos Estados Unidos que viveu os cruéis anos de segregação racial, que só terminou oficialmente em 1964, seis anos depois do nascimento de Michael Jackson.

É muito comum os pais de uma criança negra terem dificuldade para lidar com a questão racial, principalmente quando os pais também são negros. Muitas vezes, tentando evitar que os filhos sofram as mesmas discriminações que sofreram, os pais exercem uma educação severa como forma de tentar proteger os filhos negros da sociedade racista.

O notável perfeccionismo de Michael Jackson em suas composições, em seus shows, em suas performances e em suas vestimentas só corrobora o quanto o medo da rejeição foi uma companhia ao longo da sua carreira. Assim, o astro era reconhecido pelo seu grau de exigência e pela atenção aos detalhes. Ensaiava quantas vezes fossem necessárias para que nada comprometesse a qualidade das suas apresentações. Quem é negro sabe: a gente não pode errar.

Sua aparência foi outra grande polêmica. Apesar de o próprio Michael ter afirmado que tinha vitiligo – uma doença que provoca manchas brancas na pele –, não foi só o clareamento da pele que o distanciou dos traços fenotípicos negros. As diversas cirurgias estéticas que realizou mudaram o formato do nariz, da boca, aproximando-o dos traços eurocêntricos. Numa carta de 1987 que teria a autoria de Michael Jackson, ele diz que os Beatles “eram bons, mas eles não eram melhores do que os negros”. O astro continua: “agora é a hora do primeiro Rei Negro”. Michael Jackson fez o que, senão todos, quase todos os negros fazem para serem aceitos: embranquecer-se.

Há inúmeras maneiras de tentar se tornar branco. Mas nenhuma delas será capaz de tal feito. É impossível um negro se tornar branco, ainda que todos os traços físicos e visíveis sejam apagados. Talvez foi o que quis dizer Michael em “They Don’t Care About Us”, canção que teve um dos seus clipes gravados no Brasil, em Salvador. “Não diga que sou preto ou branco”, “Estou cansado de ser vítima do ódio”, “Me diga o que aconteceu com meus direitos”, “Eles não ligam pra nós” são alguns dos trechos dessa música, que mais parece um grito de indignação. Um grito que continua ecoando e que mantém Michael Jackson vivo. 

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