Perspectiva RacialUm espaço para mostrar como o racismo se revela no cotidiano, a fim de que toda a sociedade compreenda a importância de se engajar nessa luta. Andreia Pereira é doutora em Literatura (UnB), servidora pública federal, jornalista, professora, pesquisadora e palestrante.

Pretos e pretas no Poder Executivo federal

27/12/2022 às 06:00.
Atualizado em 27/12/2022 às 09:58

Participei de uma coletiva de imprensa com o então candidato Lula no dia 15 de setembro, em Montes Claros, no Norte de Minas. Cheguei ao local, representando a Revista Tempo e o jornal Hoje em Dia, com minha pergunta pronta na cabeça: queria saber se, sendo eleito, Lula iria indicar pessoas pretas – sobretudo mulheres – para ocupar o alto escalão do governo.

Fui uma das últimas jornalistas a fazer a pergunta, depois de driblar um assessor que intermediava a coletiva e tentava me ignorar. Fiz o que aprendi na vida e na faculdade de Jornalismo: levantei (com a cara e a coragem), elevei o tom de voz e fiz a incômoda pergunta, que deixou os políticos presentes (a maioria homens e brancos) com um sorriso torto.

Ainda destaquei que, como mulher preta, gostaria de ver uma representatividade racial efetiva, e não apenas um ou dois ministros negros. Lula respondeu: “Eu vou te dizer uma coisa. Hoje nas universidades brasileiras, 51% das pessoas são negras. Há 15 anos, você entrava nas universidades, eram só brancos. Essa já foi uma conquista, não minha, essa foi uma conquista da sociedade brasileira. Obviamente que nós vamos recriar os espaços de política no Brasil. Eu só não posso ficar prometendo que vai ter tantas pessoas ali, tantas pessoas acolá. Porque primeiro nós temos que ganhar as eleições, depois que ganharmos as eleições, nós temos que juntar os partidos que nos apoiaram para que a gente possa discutir”.

Era essa a resposta que eu queria ouvir? Não. Mas também não esperava algo muito diferente do que foi dito. A verdade é que a população negra no Brasil ainda comemora as mínimas vitórias. E ter uma jornalista preta pautando a mídia e fazendo esse tipo de pergunta aos políticos já é uma conquista. Se eu não estivesse ali, ocupando aquele espaço, talvez essa pergunta não tivesse sido feita. Jornalistas brancos raramente fazem perguntas dessa natureza.

Ao final da coletiva, a deputada estadual Andréia de Jesus me parabenizou pela pergunta que fiz. Ela e a deputada estadual Leninha eram, naquele lugar, as únicas mulheres pretas ocupando um cargo político. E mais uma vez percebi: enquanto mais pessoas pretas não estiverem nesses espaços de poder, as narrativas continuarão as mesmas. Entendi que nós, pessoas pretas, precisamos estar nos espaços que nos garantem ter o poder de decisão para escolher pessoas pretas para lutarem ao nosso lado.

Eu ainda quero ver uma ministra preta ocupando o Ministério da Economia, da Educação, da Saúde. Ainda quero estar viva para ver um alto escalão composto por, majoritariamente, ministros pretos e ministras pretas. Eu ainda quero testemunhar este país elegendo a primeira presidenta preta. Num país em que a maioria da população é negra, isso não é um sonho, é uma esperança.

Como ainda estamos construindo o caminho, não posso ser injusta. É a primeira vez na história do Brasil que teremos, até então, um ministro preto e duas ministras pretas. Sinto-me representada pelo futuro ministro Silvio Almeida (Direitos Humanos) e pelas futuras ministras Anielle Franco (Igualdade Racial) e Margareth Menezes (Cultura).

Não tenho dúvidas da competência de cada um deles e, para além disso, reconheço o valor simbólico e pragmático de ocupar esse espaço de poder e decisão, sobretudo no âmbito do Executivo federal. Por ora, celebramos mais essa conquista. Mas não nos esqueçamos de que a luta continua e a cobrança por mais representatividade racial também.

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