Aqui é Galo!Paulo Henrique Silva é jornalista do caderno Almanaque e escreve sobre o Atlético

Cazares, alegria do povo atleticano

Publicado em 24/06/2016 às 19:25.Atualizado em 16/11/2021 às 04:02.


Pequeno na estatura, Cazares me faz lembrar de Garrincha, aquele jogador raro que, num diminuto espaço do campo, realiza contorcionismos para enganar e vencer o adversário, desafiando, muitas vezes, as leis da física. Cazares, cheguei a essa conclusão, é um ilusionista, conhecedor profundo de uma das mais antigas formas de entretenimento.

É o nosso Houdini, elegante como o famoso prestidigitador húngaro, encarando os zagueiros e volantes brutos e incrédulos, ávidos por lhe passarem a perna, escapando como quem exibe o truque da camisa-de-força ou das correntes. Quando pensam que lhe impuseram um algema, lá está ele, metros adiante, ludibriando mais um entre tantos.

De repertório vasto e vistoso, só comparável ao bruxo Ronaldinho Gaúcho, o equatoriano dono da camisa 11 estabelece uma comunicação particular com a bola, em que só ela parece compreender seus desejos e, obediente, atende-lhe caprichosamente. Ele para, pensando junto com ela o caminho para rolá-la límpida pelo gramado, chegando onde deve chegar.

Ele vira para um lado e outro, projetando mentalmente as próximas jogadas. Avança com seu corpo frágil sobre os defensores e enxerga, em milésimos de segundos, um companheiro em melhores condições. Isso quando não é o próprio que, num chute de meia distância, com efeito, completa a trajetória do gol. Foi assim contra o Santos e a Ponte Preta.

Ao chegar em casa, ainda encantado com o que eu vi de Cazares na partida diante do Corinthians, minha filha Julia me recebe com três caixinhas vazias de fósforo. Mostra duas moedinhas de cinco centavos, que devem ser guardadas numa das caixinhas, sem que ela veja. Volta e balança as três, todas fazendo o som das moedas em seu interior. “Fiz mágica, pai”, avisa.

Talvez a mágica de Cazares esteja aí, em entender como a arte do ilusionismo deve ser, imperceptível a olhos nus. Quando nos damos conta, ela já se materializou. Tive que rever os melhores momentos diversas vezes para buscar o exato momento em que o meia parte, ágil, para a bola atrasada equivocadamente pelo zagueiro corintiano. Para mim, ele tinha antevisto o que iria ocorrer.

O objetivo do ilusionista é provocar confusão em seus espectadores, diante de manobras inesperadas. Em síntese, esse é o estilo de jogo do equatoriano. Como um Garrincha, é abusado, sempre passando por seus marcadores como quem dá um “até logo!”. Carrega a mesma alegria de jogar do Mané. Cazares é a alegria do povo atleticano.

Quando está bem, a equipe também vai bem, revelando ser ele a mente que rege esse elenco. É o Messi do Barcelona. O Cristiano Ronaldo do Real Madri. O Neymar da Seleção Brasileira. A ausência deles torna tudo tedioso, moroso demais. A bola chega ao ataque como um “Deus nos acuda!”, um bumba meu boi, numa correria sem muita objetividade.

Cazares nos faz querer revisar o poema de Carlos Drummond de Andrade, para quem Garrincha era um dos delegados incumbidos por Deus para zombar de tudo e de todos nos estádios. Para o escritor mineiro, o deus do futebol só poderia ser irônico e farsante. Cazares seria mais um desses prestidigitadores, manipulando docemente a bola e a nossa atenção.
 

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