Aqui é Galo!Paulo Henrique Silva é jornalista do caderno Almanaque e escreve sobre o Atlético

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Publicado em 22/11/2018 às 19:41.Atualizado em 28/10/2021 às 01:57.
cazares
 
 
Escrevo essa crônica especialmente para você, Julinha. A Julia do futuro, devo dizer. Daqui a 30 anos, você provavelmente tentará entender como seu pai dedicou tanto tempo e esforço ao Atlético. Sei disso porque, durante muito tempo, culpei o seu avô por não ter me apoiado naqueles momentos difíceis que todo mundo passa.
 
Talvez não estarei mais aqui e, na hora de desfazer de tudo aquilo que juntei, você verá na estante do escritório os livros que escrevi, as pastas com as minhas crônicas publicadas desde 2012, as credenciais que davam acesso às grandes decisões e os presskits, lembranças das centenas de jogos que acompanhei no Independência.
 
Sim, aquele estádio do Horto, pertinho de casa. Quantas vezes, furtivamente, eu me desloquei até lá por algumas horinhas e escondi o meu sentimento, de alegria e dor, voltando a tempo de brincarmos ou outro passatempo em família. Mas você sempre sabia, lendo no fundo dos meus olhos, qual tinha sido o resultado.
 
Por muito tempo, o Atlético foi uma espécie de ente da família. Estava sempre lá, invisível, rindo e chorando com a gente. Quando ganhava, todos saíam ganhando. Quando perdia, todos saíam perdendo. Era como um tio que contaminava o ambiente com a sua malícia e certa arrogância, acreditando no improvável.
 
Quando não era a TV, tinha o rádio. De alguma maneira, ele sempre entrava em nossas vidas. E podemos dizer que pudemos usufruir anos maravilhosos entre 2012 e 2016. O Atlético injetou uma felicidade como não víamos naquela família. Parecíamos com superpoderes, invencíveis como aqueles jogadores.
 
No seu vocabulário infantil, logo entraram nomes como Ronaldinho Gaúcho, Diego Tardelli, Luan (ah, como você gostava daquele maluquinho...) e Victor, que pôde conhecer pessoalmente, num dos lançamentos de “Nosso Time é Imortal”, na escolinha do goleiro. Tirou foto com São Victor, lembra?
 
Seu irmão chorava numa derrota e todos ficávamos preocupados com ele. Eu, mas contido, bradando que já estava calejado, me corroía por dentro. Você tentava entender aqueles sentimentos tão confusos, chorando por ver seu irmão entre lágrimas. Mas sabia perfeitamente que aquilo tudo tinha uma causa.
 
Misturava as competições, mas compreendia quando era importante. Uma partida decisiva interrompia a rotina da casa. Havia um estado de suspensão, como se o ar ficasse parado até que um grito de gol rompesse o silêncio e a ansiedade. Era alegria que não cabia dentro. Disso, tenho certeza, você se recorda.
 
Íamos à janela, batíamos a mão no sofá, levantávamos e pulávamos, numa dança estranha. Nos abraçávamos, enfim. Dizíamos coisas desconexas, gritávamos, xingávamos... Que felicidade mais esquisita! Sobrava para o vizinho e para aquele o parente cruzeirense que recebia dezenas de mensagens zombeteiras pelo whatsapp.
 
Era assim a nossa casa. A sua casa de 21 de novembro de 2018. Neste dia, você ficou brava comigo por fazê-la esperar quase uma hora na casa de uma amiga. Ainda extasiado com a vitória de 2 a 1 sobre o Internacional, concretizada nos últimos segundos de um jogo eletrizante, eu só pude lhe dizer: “Cazares, Cazares”.
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