Léo Miranda
Entramos na última semana de preparação antes do primeiro dia da edição de 2021 do Enem. Apesar da ansiedade inerente aos dias que antecedem a prova, era de se esperar que o momento fosse mais de expectativa da chegada do grande dia, do que de apreensão de como será a prova, isso com base nos últimos acontecimentos que nos chegam por meio da imprensa e dos próprios gestores da educação no Brasil. O Enem foi criado em 1998 e não tinha a configuração e importâncias atuais. Era uma prova ousada, que pretendia avaliar e mensurar o desempenho dos alunos do ensino médio nas diferentes áreas do conhecimento em todo o território nacional. Desde a sua origem, a prova foi organizada e pensada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), uma autarquia vinculada ao Ministério da Educação, criado em 1937 por Getúlio Vargas durante a ditadura do Estado Novo.
Com todas as dificuldades e problemas inerentes a um exame nacional aplicado em um país de dimensões continentais, com ampla desigualdade social e de infraestrutura educacional, o Enem tornou-se um case de sucesso, pois conseguiu unificar a forma de seleção das principais universidades federais (e algumas estaduais) do país. Como professor e quem acompanhou a prova desde o seu início, digo que é nítida uma melhoria de qualidade do exame ano após ano, com uma estrutura de prova sofisticada, construída de acordo com níveis de dificuldade por meio de questões pré-testadas e com alto nível de cobrança dos diferentes eixos do conhecimento, organizados em competências e habilidades, algo inovador para a realidade de vestibulares extremamente conteudistas até então aplicados Brasil afora. Ao que parecia, o Enem havia conseguido se consolidar enquanto um projeto de Estado e não de governo.
O que não era esperado é que o Inep, uma instituição que sempre desfrutou de prestígio, principalmente pela elaboração e aplicação do Enem, fosse de alguma forma arregimentado por um projeto de governo, que atenta contra tudo que vinha sendo construído aos trancos e barrancos na educação brasileira. Trazendo a memória, tivemos quatro ministros da educação em três anos, mudanças nos critérios de isenção da taxa de inscrição do Enem 2021, além de uma coleção de declarações infelizes como as do atual ministro da educação sobre quem deve ter acesso ao ensino superior. O capítulo mais recente trouxe à tona a censura das questões consideradas pouco “apropriadas” para o alinhamento ideológico do atual governo, divulgadas pelos próprios gestores envolvidos na elaboração da prova e que resultaram em pedidos de demissão em massa. No meio de tudo isso, três milhões de estudantes inscritos para o exame deste ano, que aguardam e assistem a tudo isso com apreensão.
Mas enfim, o Enem chegou, depois de mais um ano tão difícil. Resta saber em que ponto ele chegou, com a esperança de que ele não tenha chegado ao fim, enquanto um projeto de Estado e não de governo.