Léo Miranda*
Diego Armando Maradona foi sem sombra de dúvidas uma das figuras mais geniais e controversas dentro e fora de campo. Apesar dos meus trinta e poucos anos, não tive infelizmente a oportunidade de vê-lo jogar, o que não impediu que eu tivesse acesso aos lances e gols estupendos dele, como aquele marcado na Copa do Mundo de 1986, no México, contra a seleção da Inglaterra. Ao mesmo tempo passei a conhecer a história de Maradona fora dos gramados, cercada por momentos de glória e de crise.
Na última quarta-feira, 3 de novembro, a morte dessa figura tão emblemática da história do futebol causou verdadeira comoção na Argentina, mas também no mundo todo, como na Itália, país em que o craque argentino ergueu não só um time, no caso, o Napoli, mas também a identidade dessa porção economicamente marginalizada do território italiano (a cidade de Nápoles, no Sul da Itália). Para além da luta contra o vício, da vida repleta de excessos, Maradona parecia ter a incrível habilidade de agregar pessoas ao redor dele (não necessariamente boas). No caso dos argentinos, Maradona era a personificação do povo, principalmente dos mais pobres, que viam na sua pessoa uma espécie de alter ego, aquele que representava toda a dificuldade histórica e econômica do país.
No Brasil, Maradona sempre foi colocado como a antítese de Pelé, naquela narrativa antiga e fora de moda de quem foi o melhor da história. Para além desse debate alimentado por paixões futebolísticas, Maradona simbolizou o poder que a união nacional tem para lidar com questões históricas graves, no caso do Brasil, a desigualdade social que se perpetua desde que os portugueses aqui chegaram e que se afirma a cada ano na precariedade e descaso com a educação no país. Esse cenário é alimentado por uma polarização política desproporcional aos problemas estruturais brasileiros, que não só dividem a população em prol de uma pseudo razão individual ideológica, mas também nos distancia do combate dos nossos problemas reais enquanto nação, presa ainda no passado colonial.
Para além da genialidade no futebol, Maradona deixa como legado que no final o que importa são as pessoas, e que a união tem um poder de transformação muito maior do que qualquer divisão. Uma imagem que talvez represente essa capacidade deixada por ele pôde ser vista em uma foto que circulou pelos principais meios de comunicação mundiais, em que torcedores dos rivais River Plate e Boca Juniors (time defendido por Maradona durante muito tempo) se abraçam e choram. No Brasil, há muito perdemos essa capacidade, não só de chorar pelos mortos, como no caso dos mais de 170 mil mortos pela pandemia da Covid-19, mas também de nos unir em prol de uma das principais ferramentas de emancipação do passado colonial, a educação.
(*) É professor de Geografia, graduado e mestre pela UFMG. Também é fundador do canal educacional Mundo Geográfico