Marcelo Batista
Segunda-feira, 07:00. Enquanto alguns alunos ainda chegam, presencialmente começo a minha aula. Alguns com cara de sono, outros com um sorriso de desânimo, estamos todos iniciando a nossa semana. Devagar, despertando juntos, como sempre. Entre uma janela no horário e uma pausa para o café, aproveito para mandar mensagens e atualizar compromissos marcado até o Enem, momento decisivo do ano. Reserva de um espaço para dar aula, um simulado que ficou pendente e algumas mensagens para responder.Dois cafés expressos e duas águas com gás, na mesma mesa de toda semana, no mesmo horário, até chegar a hora de voltar.
Segunda-feira, 10:50. Depois de fechar a conta e voltar para o colégio, entro na sala de aula. Lá dentro, os alunos, em pé, conversam, enquanto outros ficam recostados na cadeira. Alguns vêm discutir sobre o tema do simulado no fim de semana. Acharam o tema bem difícil. Entre algumas gargalhadas e conversas entre eles, um projetor ligado e um professor dando aula, de casa, ao vivo, na projeção feita no quadro. Devido à necessidade de isolamento, ele não pôde comparecer à aula daquela turma presencialmente. Novo normal. Coisas da pandemia.
Percebi que entrei na sala errada e que acabara de, acidentalmente, invadir a aula de um parceiro, que mal sabia que os alunos em sala não correspondiam toda a sua animação do outro lado da tela. Enquanto os alunos que estavam acompanhando também em casa interagiam e prestavam atenção, dentro de sala os demais conversavam sobre um outro assunto, em um outro mundo, aparentemente muito mais interessante.
E o professor continuava a sua aula. Enquanto os alunos conversavam em sala, enquanto outras turmas tinham aula, enquanto os outros professores também trabalhavam presencialmente em sala de aula, enquanto alguns outros alunos faziam exercícios. enquanto uma ex- aluna dava entrevista para a televisão sobre uma agressão recém-sofrida, enquanto o noticiário mostrava as polêmicas da CPI, enquanto alguns pedestres, na rua, reclamavam do calor, o professor continuava a sua aula. Enquanto alguns alunos dormiam em casa, enquanto outros matavam aula, enquanto outros pensavam no Enem que se aproxima, o professor, na tela, solitário, continuava a sua aula, convicto.
Enquanto dentro de si batia o fantasma da ansiedade, enquanto pensava nas contas a pagar, enquanto olhava para o relógio preocupado em terminar o conteúdo até o fim do ano, o professor ainda continuava a aula. Ignorado, mas realizado. Certamente no fim do dia pensaria que tudo deu certo, que todos os alunos aprenderam, que todos se esforçaram durante a sua aula. E continuaria a aula. Por dias, meses e anos, sem saber dos momentos em que era ignorado, traído pela conversa paralela, pelo descaso, enganado pelo novo modelo de aulas. Enquanto isso, na tela, sorria. Sempre o último a saber, o professor continuava a sua aula, sempre.