EducaçãoLéo Miranda. Do \“Mundo Geográfico\” - YouTube Marcelo Batista. Do \“Aprendi com o Papai\” - YouTube

Sobre férias e culpa

Publicado em 21/07/2022 às 06:00.

Marcelo Batista*

“Parece que eu fico o tempo todo culpado/Com culpa eu não sei do quê/ Quem vai me desculpar se eu não fiz nada de errado?/ Que mais que eu posso fazer?”. O trecho da letra da banda O Terno, composto por Tim Bernardes, resume um pouco da minha sensação por estar de férias, ou recesso, como alguns preferem. Como assim não preciso dar mais 60 aulas por semana? Posso mesmo parar para escutar uma música que gosto ou buscar novidades musicais na internet? Que abuso! Um filme ou documentário no cinema? Um atrevimento…

Esse é um dos dilemas de quem, assim como eu, se considera um workaholic, ou um trabalhador compulsivo. É difícil se desligar das atividades ou simplesmente entender que está tudo bem ficar sem fazer nada. Geralmente minha mente precisa de mais ou menos duas semanas para entender esse tipo de condição, mas como o recesso de meio de ano é mais curtinho acabo ficando ligado o tempo todo mesmo. Sabendo disso tudo, resolvi aproveitar esse momento do ano para remontar minha sala, onde ofereço os meus cursos isolados de redação.

Após um 2020 completamente deserto devido à suspensão das aulas presenciais, resolvi abrir mão do meu espaço físico antigo, mas agora, como o novo momento da pandemia, vi a necessidade e a oportunidade de montar um novo ambiente. Afinal, nada como ter uma nova atividade nas férias. Certo? Mas nessa brincadeira o trabalho acaba se tornando ainda mais intenso que outrora, pois hoje, toda sala de aula precisa ser, também, um estúdio. Há a demanda dos alunos presenciais, mas alguns preferem acompanhar as aulas de casa, então há a necessidade de investimento em diversos equipamentos audiovisuais que antes não faziam parte da rotina do professor.

Câmera, placa de captura, softbox, cabos, microfones, cenário, internet de altíssima qualidade. Preocupações que antes pareciam somente um luxo para os que se aventuravam no ainda “exótico" mundo do Ead agora se torna uma necessidade para todos nós. E assim vou iniciando as minhas férias. Dividindo tarefas e me dividindo, como fazem muitos dos professores também viciados em trabalho, porque é necessário ser meio viciado em trabalho para, dentre várias escolhas, optar pela sala de aula. No meio disso tudo ainda é possível e delicioso arrumar um tempo a mais para ser pai e marido: acompanhar o Marcelinho nas aulinhas e atividades semanais, trocar algumas fraldas, dar banho e todas as outras delícias da paternidade.

E não tenho nada para reclamar. No auge do meu privilégio estou construindo novas etapas na minha carreira durante as férias. A realidade dos professores no Brasil costuma ser bem diferente. Alguns, com salário atrasado, são obrigados a ficar em casa, sem nenhuma atividade interessante para fazer devido à falta de recursos. Outros, aproveitam o tempo para arrumar um trabalho extra para pagar as dívidas e tentar garantir o sustento da família nesse período fora do tablado. Numa realidade assim talvez seja mesmo fácil sentir culpa. É muito privilégio!

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