Marcelo Batista
Na semana passada foi divulgado o resultado do Enem 2021, com foco, como sempre, para grande parte da imprensa e das famílias, na nota da redação. Neste ano, apenas 10 alunos no Brasil conseguiram alcançar a nota máxima entre os mais de 3 milhões de candidatos, o que é no mínimo curioso. Para se ter uma ideia, em 2020, 28 alunos alcançaram a nota máxima, enquanto em 2019 o número foi de 53 estudantes. Desses 10 alunos do Brasil, tive a sorte de trabalhar com 2 deles no cursinho. Mas como alcançar essa nota na redação em um exame tão exigente?
É necessário, antes de tudo, disciplina. O aluno precisa se organizar para praticar o suficiente: pelo menos dois textos por semana. O processo é muito semelhante à atividade física. Não há resultado rápido e no caso de ficar muito tempo inativo o desempenho piora e o resultado fica comprometido. É necessário ter constância.
Além disso, é exigido o conhecimento gramatical. A prova do Enem, que outrora foi extremamente permissiva em relação à gramática, tem sido altamente conteudista. O aluno que tiver problemas, por exemplo, relacionados às tão temidas vírgulas ou às crases, será penalizado na competência I, que analisa o uso da norma-culta da língua portuguesa.
Mas se engana quem pensa que é só isso. É necessário que o candidato apresente um bom repertório sociocultural, que é a relação entre o tema da redação e outros conhecimentos: dados, letras de música, ideias das ciências humanas ou até mesmo das ciências da natureza, por exemplo. Mas não basta apenas citar o repertório, ele deve ser produtivo e legitimado, ou seja, deve ser percebido pelo corretor porque o aluno fez a relação com aquela área, sem deixar a impressão que o conhecimento foi simplesmente “jogado” de maneira despretensiosa.
Por último, dentre os vários outros critérios, é importante apresentar uma proposta de intervenção, ou seja, apresentar a solução para a problema apresentado na redação de acordo com o tema. Em 2021, a solução deveria ser sobre a invisibilidade e falta de cidadania gerada pela falta de um registro civil no Brasil.
E quem vai ensinar isso para o aluno? Não é o político que busca as soluções para os problemas da população, não é o autor de almanaques e enciclopédias, não é o professor “gramatiqueiro" que decora todos os pés de página. Quem ensina é o professor, errôneo, ex- obeso, ex-fumante, ex- estudante de letras e que se aventura a tentar, há quase 20 anos, a organizar a redação de alunos que muitas vezes estão com problemas na vida que não caberiam nas 30 linhas: relações familiares destroçadas pelo contexto da pandemia, falta de grana dos pais, concorrência entre os colegas e as dificuldades de um sistema de ensino remoto que parece não funcionar para ninguém. E dizem por aí que é fácil. Quero só ver fazer uma redação em 30 linhas quando tudo está desabando. Parabéns aos 10 alunos, que como um sinal de resistência conseguiram alcançar o 1000: contra tudo e contra todos.