Marcelo Batista (*)
mbatista@hojeemdia.com.br
“Professor, não virei à aula na semana que vem. Vou fazer uma cirurgia. Colocarei silicone. Minha mãe vai me dar de presente para o book de 15 anos”. Assim começou a minha conversa com uma aluna, há alguns anos. Ela, que ainda estava no 9º ano do ensino fundamental estava muito feliz, pois a mãe seguiria uma tendência de um grupo de amigas, que resolveu presentear as filhas com cirurgias plásticas para corrigir “imperfeições” para a sessão de fotos que antecede a festa. Já deixo claro: o texto de hoje não tem o objetivo de criticar as meninas (e meninos) que fazem plástica cedo com a anuência dos pais. Sou somente um professor, acima de tudo um educador, e muito me preocupa a relação dos jovens com o próprio corpo.
Durante o isolamento social e a reclusão dos jovens em casa devido à pandemia, um dos maiores companheiros costuma ser o telefone celular e e as redes sociais. Nas redes e principalmente no Instagram, há uma quantidade enorme de filtros, que muitos dos alunos gostam muito e que fazem modificações diversas nos corpos: filtros para gerar o efeito de uma maquiagem, de preenchimento labial, de harmonização facial e de uma quantidade infindável de modificações digitais. Nesse contexto, é muito raro ver algum aluno que faça algum “storie de cara limpa". Esse tipo de situação é muito complexa, isto que certamente muitos passam a idealizar uma imagem que não corresponde ao real e passam a desejar modificações até mesmo antes da conclusão do crescimento e da formação corporal, o que pode gerar consequências diversas.
Situação particularmente grave é a dos filtros que “clareiam" a pele como uma maneira de “corrigir as imperfeições”. É como se a negritude fosse vista como um defeito ou um problema que deve ser omitido ou tratado e pode fazer com que muitas pessoas sofram ainda mais com a questão racial. É como se fizéssemos uma viagem no tempo e voltássemos ao que acontecia no século XIX, quando muitos pessoas negras, nas famosas pinturas de retratos, pediam para que o artista clareasse um pouco mais a tonalidade da pele, em uma vã tentativa de aceitação. Hoje o filtro faz isso sozinho, até mesmo sem o pedido do usuário. Prático, não?
Nesse contexto é muito importante refletir sobre a relevância do acompanhamento familiar e escolar para a própria aceitação do corpo, para evitar que situações problemáticas sejam desencadeados de problemas psicológicos do jovem. Mas e quando a própria família incentiva o uso de procedimentos estéticos, filtros e maquiagens de maneira cada vez mais precoce? E quando as escolas não tratam sobre as questões relativas à autoaceitação e multiplicidade de padrões de beleza? Enquanto nos aprofundamos em um sistema educacional conteudista, temos alunos cada vez mais fissurados no espelho das redes sociais e todas as suas distorções. E é sempre bom lembrar: os filtros podem maquiar tudo, menos a realidade da frustração psicológica na adolescência.
(*) Marcelo Batista é educador há mais de 15 anos e fundador do canal Aprendi com o Papai, no Youtube.