Chega a ser impressionante a maneira com que o presidente Jair Bolsonaro tenta desconstruir o assassinato do guarda municipal Marcelo Arruda, morto no dia do próprio aniversário de 50 anos, em Foz do Iguaçu, no Paraná. O presidente desinvestiu de seu cargo para ligar para os irmãos de Marcelo, todos bolsonaristas, mas ao que parece de bom convívio, para lhes pedir que dessem uma entrevista, se possível em Brasília, a fim de tirar o peso, claro, que lhe atrapalha a candidatura à reeleição.
Não parece que tenha sido uma boa ideia. Para quem não se lembra – e os vídeos estão aí para refrescar a memória dos incrédulos – Marcelo Arruda foi morto pelo policial penal Jorge José da Rocha Guaranho, quando comemorava 50 anos, numa festa em que o tema era a possível eleição do ex-presidente Lula. Pelo menos era essa a temática da festa quando Guaranho passou na porta do clube onde Marcelo estava – teria havido uma ligeira discussão ali –, deu uma ré no carro, voltou já atirando da porta da rua, alvejou o oponente, deu-lhe um tiro de execução, saiu porque foi empurrado por uma senhora loira, possivelmente a mulher de Marcelo, mas foi alcançado por vários tiros disparados pelo guarda-municipal, deitado ainda, quando um participante da festa deu-lhe alguns chutes na cabeça – o que também não é desculpável. Marcelo morreu e Guaranho está no hospital.
Ora, é inadmissível que o presidente da República queira agora criar uma narrativa sob a justificativa de que a sua candidatura pode correr algum risco. E é evidente que corre ainda mais depois do telefonema em que pede aos irmãos de Marcelo que corram em sua defesa. O que quer o presidente Jair Bolsonaro? Uma nova história? A ideia de que Marcelo é que foi provocado? E que até teria jogado alguma coisa no indigitado Guaranho, como um pouco de cerveja?
É inimaginável o desplante de Bolsonaro ao ligar para a família de Marcelo e pedir que deem uma coletiva para que digam a “verdade”. Qual seria a verdade à disposição do presidente da República? E por que mandou que fosse a Foz do Iguaçu um seu vice-líder na Câmara dos Deputados para convencer os irmãos de Marcelo a que digam a “verdade”?
Não causa surpresa menor a decisão do Ministério Público do Paraná de pedir que a Justiça decrete sigilo no inquérito que apura a morte de Marcelo Arruda, enquanto a defesa de Guaranho pede exame de embriaguez do petista, ainda que os advogados de Marcelo concordem com o pedido do Ministério Público do Paraná, no que consideram “uma tentativa de criminalizar a vítima, como se fosse uma briga de bar e descaracterizar o crime de ódio de motivação política”. Enfim, é inacreditável que Bolsonaro tenha apelado para os irmãos de Marcelo, todos bolsonaristas, para que digam a “verdade”, como se houvesse neste caso mais do que uma “verdade”.