A capital gastronômica do Brasil é acessível?

Publicado em 24/05/2024 às 06:00.

Aline Castro*

Belo Horizonte, além de ser reconhecida como a capital gastronômica do Brasil, ostenta o título de cidade com a maior concentração de bares e restaurantes do país. Essa reputação gastronômica não apenas atrai turistas que anseiam por experiências culinárias, mas também coloca a cidade diante de um desafio importante: garantir que os estabelecimentos sejam acessíveis a todos os cidadãos.

Primeiro, precisamos compreender o significado de acessibilidade, que vai além de simplesmente instalar rampas nos estabelecimentos. É necessário criar condições não somente de entrada, mas também de permanência nos estabelecimentos. Isso inclui mobiliário na altura adequada, banheiro acessível funcional, bem como fornecimento de comunicação acessível, como cardápios em Braille ou em formatos digitais, além de treinamento adequado para funcionários sobre a diversidade do público.

De acordo com o relatório Economia Criativa BH, em 2022 foram quantificados cerca de 40 mil estabelecimentos voltados para o ramo gastronômico em nosso município. Você já se perguntou quantos destes são acessíveis?

Infelizmente, ainda não há resposta para esta pergunta. Não há dados concretos sobre essa questão. Essa invisibilidade é um obstáculo significativo. Sem informações precisas, torna-se difícil entender a extensão do desafio e tomar medidas eficazes para enfrentá-lo.

Além disso, a falta de incentivo do cumprimento desta lei contribui para a perpetuação da exclusão.

Embora o acesso ao lazer seja direito de todos, o descumprimento da legislação não é um problema exclusivo de gestão da nossa cidade, mas um reflexo estrutural condicionado à visão da sociedade perante as pessoas com deficiência. Estas pessoas ainda são enxergadas sob a ótica das limitações. Assim, perde-se um público em potencial, que possui amigos, familiares, companheiros e que contribuem ativamente com a movimentação de capital financeiro.

A acessibilidade alcança não apenas pessoas com deficiência, mas também idosos, gestantes, obesos, pessoas com dificuldade de locomoção temporária, pais com carrinhos de bebê e muitos outros. Investir em acessibilidade não é apenas um compromisso moral, mas uma estratégia inteligente para impulsionar o sucesso comercial.

Por fim, ouso dizer que Belo Horizonte possui uma quantidade pequena de estabelecimentos acessíveis. Esta percepção vem de uma belo-horizontina cadeirante e apaixonada, que sempre frequentou os diversos cantos da cidade e enfrenta dificuldades até hoje. Já vivenciei situações constrangedoras de ser carregada pelas escadarias por pessoas que nem conhecia; já tive que deixar o ambiente por falta de banheiro acessível; já me acidentei em rampas mal feitas, bem como já fiquei literalmente debaixo das banquetas altas por não haver outra opção de mesa na altura padrão.

Muitos me questionam o motivo de a lei não ser cumprida e eu digo com toda a certeza: falta conscientização. Somente quando criarmos uma mentalidade verdadeiramente inclusiva, poderemos avançar neste quesito.

É hora de colocar a questão da acessibilidade no centro do debate gastronômico de Belo Horizonte, garantindo que todas as pessoas possam desfrutar plenamente dos espaços que a cidade tem a oferecer.

*Cadeirante devido à uma condição genética rara. É cientista pela UFMG, especialista em políticas públicas, palestrante

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