Rosilene Campolina*
Minas Gerais é plural e mineral, traz a prosperidade impressa em seu próprio nome. Como dizia Guimarães Rosa, “Minas são Muitas”. É muito mais do que um Estado brasileiro e por isso, a culinária de cada região traz a sua identidade e o seu terroir, que por aqui chamamos de “tremrruá”.
Este pedaço de terra que está no coração do Brasil não tem mar, mas tem ar, e muito puro, diga-se de passagem, além das montanhas, cachoeiras, rios e florestas. E a natureza aqui, em meio a tantos biomas, também se perpetua em festa, já dizia o poeta Olavo Bilac. Tem um povo que se orgulha de sua História e que traz na sua bandeira o sonho com sabor de liberdade.
Nossas Minas Gerais, por sua biodiversidade e geogastronomia, foi comparada em 2013 pela delegação do festival madri fúsion (considerado o “Oscar” da gastronomia) com as regiões de Provence na França e da Toscana na Itália. Ainda ganhou o título de Bélgica Brasileira na produção de Cervejas especiais. A dinastia da culinária mineira se abre em leque gerando saberes e sabores compartilhados por praticantes da cozinha autóctone de raiz e de vanguarda. São profissionais que se colocam na fronteira entre a cultura acumulada ao longo dos séculos e o desafio prático cotidiano, posto pela necessidade de apropriação da natureza, de modo a produzir prazeres sempre reconhecidos como superiores pelos comensais.
Falar de Minas é viajar pelas rotas históricas da rica Estrada Real que nos leva aos grandes tesouros –, no passado, o ouro e os diamantes, hoje a Gastronomia e o Turismo, um trade tão importante que acaba de ser fomentado com o lançamento da “Via Liberdade”, rota na BR 040 que irá integrar Minas, Rio de Janeiro, Goiás e Distrito Federal numa grande vitrine para mostrar ao mundo suas principais riquezas. É impossível pensar em Minas sem se fartar com os queijos e o café coado na hora com broa de milho e pão de queijo, cuja iguaria jamais deve ser traduzida, como dizem os bons mineiros... É ter aquela “prosa boa” com aquele “dedinho de pinga” e o torresmo suíno no calor do fogão à lenha. E o que falar do feijão tropeiro, do tutu (com linguiça, torresmo, couve picada fininha e ovo cozido), do frango com quiabo, ora-pró-nobis e ao molho pardo?! E da canjiquinha com costelinha, da vaca atolada e da carne de lata?! Melhor do que falar, é saborear, uai ?! Afinal a mesa mineira nunca sai de cena e encanta também pela sua doçaria sempre bem-posta-, do leite a goiabada, compotas de figo, cidra, mamão, abóbora, e os cristalizados. Tem curau de milho, ambrosia, pé-de-moleque, rocambole etc. Por aqui, até o arroz é doce! E não se pode esquecer ainda dos diversos licores, nossos “doces líquidos” que abrem e fecham as prosas com o gran finale.
Toda esta riqueza geogastronômica e a luta de nossa gente pelo reconhecimento e valorização da nossa cozinha, impulsionaram um grande movimento gastronômico que está brotando entre as montanhas de Minas e ecoando Brasil e mundo afora...Nasce a Nouvelle Cuisine Mineira!
Inspirado no modelo que revolucionou a alta cozinha francesa na década de 70, a nossa pacata e ao mesmo tempo moderna cozinha mineira avança rumo a transformação das técnicas de cozinhar, ora preservando modos de fazer e sua estrutura clássica e tradicional, ora inovando com olhar futurista e moderno. As preparações são menos gordurosas, os molhos mais leves. Ganhamos em frescor, leveza e harmonia. A simplicidade nos métodos de cocção, o cozimento mais rápido e a aplicação de novas tecnologias preservam os elementos nutricionais e naturais. Além disso, a valorização do serviço empratado, quer seja do buffet ou mesmo de um prato feito (PF) ou comida de buteco, fato é que a criatividade de nossos chefes e cozinheiros na elaboração e montagem dos pratos, evolui a cada dia e cedem lugar a um cenário gastronômico onde impera o clássico e o contemporâneo, produtos e produtores e o diálogo perfeito entre, a tradição e a inovação.
Acredita-se, portanto, que desenvolver a gastronomia com ingredientes regionais indica um desafio inédito de pertencimento para cozinheiros, químicos e físicos - se considerarmos o baixo nível de apropriação culinária da biodiversidade nativa oferecida em nosso Estado. Em Minas, podemos dizer que os profissionais da boa mesa, dos tachos e das panelas junto a diversas comunidades (aos poucos) estão se apropriando de seus recursos e valores gastronômicos. Com a ajuda do poder público, de entidades e participação da população, os segredos e as tradições culinárias de Minas perpassam gerações e multiplicam seus valores e conceitos. Receitas, produtos e modo de fazer (como o savoir-faire) já começam a ser registrados como patrimônios imateriais mineiros, sob o viés das temperadas influências culturais das principais matrizes-, indígena, portuguesa e africana, pilares formadores da nossa cozinha que jamais devem ser esquecidos.
Um brinde à mineiridade! Afinal, temos muitos motivos para celebrar o avanço da nossa gastronomia. O cartão de visitas de um local é a sua cozinha, que em Minas transborda hospitalidade e generosidade. E como diz Raul Lody: “depois do idioma, o alimento é o mais importante elo entre o homem e a cultura”. Viva a cozinha mineira recheada de Mineiridade!
* Jornalista, gastróloga, professora e mestre em educação e sustentabilidade