Rosilene Campolina*
Estudos arqueológicos indicam que o cobre era utilizado, há mais de 10.000 anos, na Ásia Ocidental. Já na América do Sul, as civilizações Maia Pré-Colombiana, Asteca e Inca exploraram o cobre, assim como o ouro e a prata. O cobre foi o primeiro metal minerado e manufaturado pelo homem, e por isso, o mais importante elemento na história das civilizações, pois estava disponível em grandes quantidades e praticamente se encontrava na superfície do solo para extração. Além do mais, o metal era apropriado para a produção de armas, ferramentas, objetos de arte e ornamentação.
O cobre além de ser um condutor de calor ideal, higiênico e resistente à corrosão, possui condutividade térmica, o que faz dele o metal perfeito para os alambiques, tachos e panelas. Ele conduz o calor 5 vezes superior ao ferro e 20 vezes melhor que o aço inoxidável e, graças à sua extraordinária condutividade térmica, o calor propaga-se uniformemente nos tachos e panelas de cobre. Entre os diversos benefícios do cobre, o metal possui um efeito antibacteriano, porque funciona como um filtro sobre os germes e as bactérias, como mostra o laudo técnico-científico elaborado pela doutora Amazile Maia.
Felizmente, temos boas notícias: os tradicionais tachos de cobre usados na produção de doces em Minas Gerais estão liberados. A informação foi confirmada pela Vigilância Sanitária estadual (Visa) durante audiência da Comissão Extraordinária de Turismo e Gastronomia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), na data de 3 de maio de 2022. A regra está em vigor, mas ainda assim surpreende produtores e autoridades que desconheciam a sua liberação. A Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 20, de 2007, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) restringiu o uso do tacho de cobre, exigindo revestimento de outros materiais, entre os quais ouro ou prata. A alegação é de que o cobre é transferido para o alimento, com riscos para a saúde. A medida gerou grande impacto no setor, levando a casos até de depressão de doceiras tradicionais, conforme relatos na audiência.
Ângela Vieira, diretora de Vigilância em Alimentos e Vigilância Ambiental da Secretaria de Estado de Saúde, explicou, porém, que a norma foi modificada. A RDC 498, de 2021, vigente desde 3 de maio de 2021, permite o uso de equipamentos de cobre sem revestimento, a critério da autoridade sanitária competente, sempre que se demonstre sua função tecnológica de uso. Segundo ela, a autoridade competente é a vigilância sanitária municipal, com apoio da Visa estadual. A diretora frisou a necessidade de boas práticas, como a higiene correta do tacho, mas reforçou que a Emater tem trabalhado nessa orientação.
Se o uso do cobre depende da demonstração de sua função tecnológica, a audiência trouxe subsídios para isso. Amazile Biagioni Maia, engenheira química, mestre em Alimentos e doutora em Bioquímica, fez a defesa técnica do produto, que classificou como “insubstituível”. Entre as propriedades do cobre, ela listou a eficácia contra a proliferação de vírus, bactérias, fungos e algas.
O tacho não é vilão da história, mas um tipo de oxidação esverdeada chamada azinhavre que se forma nestas superfícies quando expostas ao ar úmido, mas que é inteiramente retirada quando os utensílios são lavados com bucha e uma solução ácida que pode ser vinagre e sal ou limão e sal. É tão necessário debater sobre este tema quanto buscar os atores deste cenário que envolve a cadeia produtiva e criativa da gastronomia. O uso do tacho de cobre é viável e necessário para a continuidade desta tradição ancestral, que carrega nossa história e imprime a nossa mineiridade e afetividade. Já dizia Raul Lody, “depois do idioma, o alimento é o mais importante elo entre o homem e a cultura”.
* Mestre em educação, gastronomia e sustentabilidade