Um país só amadurece e qualifica a sua democracia com uma população ativa e participante no dia a dia da política, atentos ao processo eleitoral, aos trabalhos dos mandatários eleitos, reivindicando, manifestando, acompanhando audiências públicas nos parlamentos, expondo pontos de vista, etc. Por suposto, sempre nos termos da lei.
Após a divulgação do resultado eleitoral atestando a vitória de Lula, setores representativos da população brasileira se mobilizaram nas redes sociais para manifestarem de forma presencial contra o resultado oficial divulgado.
O que percebemos sim é que as ordeiras manifestações recentes constituem um importante instrumento de ativismo político, um passo para a solidez da nossa jovem democracia. Diferentes gerações participam, sobrepondo a luta a uma causa à passividade sempre tão nociva a qualquer país.
Bem, mas vamos refletir sobre alguns pontos. Lembremos de dois importantes e
representativos movimentos populares que tivemos pós Constituição de 88: o Fora Collor e depois o Fora Dilma. Tinham um foco claro, motivação e respaldo legal: externalizar uma posição contra a continuidade do mandato daquele e desta, em claro recado ao Congresso Nacional para, nos termos da lei, afastá-los e os vices assumirem o poder.
E assim foi feito, em conformidade ao Estado Democrático de Direito. Em relação às atuais manifestações, tipo um Fora Lula, alguns relevantes pontos a refletir. Uma simples e única pergunta tem resposta convergente: “O que reivindicam? Que Lula não assuma”.
A partir daí não há unidade, cada um tem uma opinião, não há convergência entre os manifestantes e com duvidoso respaldo legal, o que compromete a continuidade e efetividade dos movimentos. Mas por que Fora Lula? Muitos respondem: “houve fraude na eleição”. Ah ok, mas há algum documento técnico objetivo e incisivo emitido pela PF, Ministério Público Federal, Forças Armadas ou TCU atestando a fraude?
São frágeis, apenas indícios, análises informais e questionáveis e apócrifos materiais nas redes sociais. Bem, se mesmo assim afirmam que houve, qual o caminho? Anular todas as eleições? Se não, qual a justificativa para anular só a de presidente e manter a de governadores, deputados e senadores? E nesse caso, realiza-se nova eleição ou proclama Bolsonaro presidente? E quem faria isso, as Forças Armadas? Mas tem respaldo legal pra isso? E manteria o STF funcionando? E fecharia o Congresso Nacional? Quais as consequências disso tudo?
Uma indispensável reflexão: podemos utilizar um instrumento da democracia, que é a liberdade de manifestação, para reivindicar algo antidemocrático? Com certeza é incoerente e perigoso. Este o motivo que explica a ausência dos parlamentares eleitos nos movimentos. Poderiam, em tese, até perder o mandato! Poucos perceberam isso.
Outro argumento para o Fora Lula é que, segundo manifestantes, um corrupto não pode assumir o poder. Com certeza a decisão do STF foi em contra ao caminho que o país percorria de combate à corrupção e à impunidade. Mas, será que o momento certo para ter tomado as ruas de forma legítima e com possibilidade de efetividade não teria sido entre 8 de março de 2021, data em que o ministro do STF Edson Fachin anulou todas as condenações impostas pela Justiça Federal do Paraná ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Operação Lava Jato, e o dia 15 de abril, quando o plenário do tribunal referendou por 8 votos a 3 a decisão monocrática?
Por fim, a tendência é a perda de força das atuais manifestações e uma certa calmaria até a virada de ano. Mas o recado está dado: grande parte da população não acompanhará inerte o próximo governo pelo sofá, seja no quesito competência ou quanto a corrupção. Ano que vem promete. Semana que vem falamos o porquê!