Desde a posse, as declarações do presidente Lula sinalizam reposicionar o Brasil na complexa geopolítica global, assumindo de fato a liderança regional. Por suposto, esta iniciativa é meritória e necessária, potencializada por equívocos do último governo nas relações internacionais.
Mas uma premissa básica é indispensável, a saber: acordos, tratados e financiamentos devem estar totalmente alinhados com interesses comerciais e estratégicos do Brasil, e em absoluto a não atender a meros projetos políticos e ideológicos de “amigos”.
Na sua recente viagem à Argentina, disse Lula: "O BNDES vai voltar a financiar as relações comerciais do Brasil e vai voltar a financiar projetos de engenharia para ajudar empresas brasileiras no exterior e para ajudar que os países vizinhos possam crescer e até vender o resultado desse enriquecimento para um país como o Brasil. O Brasil não pode ficar distante. O Brasil não pode se apequenar”.
Ok, mas nós, os brasileiros e pagadores de impostos, precisamos de mais informações acerca do como, dos critérios e garantias que tais financiamentos se darão. Isso é deveras preocupante. Lembremos fatos ocorridos em um passado recente nos governos petistas acerca de financiamentos do BNDES.
- Fato 1: o BNDES tem um “programa de financiamento à exportação de serviços de engenharia”. São recursos destinados para a empresa brasileira responsável pela obra ou pela exportação de bens e serviços ao país estrangeiro. Quem paga ou deveria pagar o financiamento, com juros em dólares, é o país destinatário do empréstimo.
- Fato 2: para financiar obras de infraestrutura nos governos Lula e Dilma, o BNDES assinou contratos estimados hoje em quase R$ 14 bilhões.
- Fato 3: A Venezuela, por exemplo, recebeu dinheiro para construir uma usina, um estaleiro e o metrô de Caracas. Já Cuba modernizou o porto de Mariel (R$ 4,2 bilhões), enquanto Moçambique investiu num aeroporto. Países estes totalmente alinhados ideologicamente ao PT, partido que estava no comando quando realizados os empréstimos.
- Fato 4: As empresas brasileiras que tiveram acesso a tais financiamentos facilitados para obras no exterior foram Odebrecht, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, Camargo Correa e OAS, todas que, “por coincidência”, estavam envolvidas na Operação Lava-Jato.
- Fato 5: Nenhum dos três países honrou o compromisso de pagamento ao Brasil dos empréstimos feitos. Os calotes já somam R$ 5,2 bilhões. A Venezuela deixou de pagar dívidas de R$ 3,45 bilhões, Moçambique não quitou R$ 641 milhões e Cuba deu um calote de R$ 1,12 bilhão. E outros R$ 3,19 bilhões vencem em um futuro próximo.
- Fato 6: Os empréstimos para esses países estão cobertos pelo Fundo de Garantia à Exportação, vinculado ao Tesouro Nacional. Ou seja, se os países não pagam, o meu e o seu dinheiro cobrem os calotes junto ao BNDES. Em 2018, o governo brasileiro teve que retirar R$ 1,3 bilhão do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para devolver ao BNDES. Em 2019, mais R$ 1,5 bilhão.
Pessoas e governantes podem se relacionar por amizades e afinidades políticas e ideológicas. Mas quando atuam em nome dos respetivos países, principalmente com destinação de recursos públicos, interesses comerciais e estratégicos nacionais devem sobrepor aos pessoais e meramente políticos.
É fundamental que o BNDES disponha de forma transparente o papel que terá nesse governo. E que o controle externo atue de fato e com eficiência, em destaque o Congresso Nacional, o TCU e o MPF.
Acompanhemos!