Doutor em Direito pela UFMG e Analista Político

Os chatos dos donos da verdade

21/05/2021 às 14:19.
Atualizado em 05/12/2021 às 04:59

“Tua verdade, não: a Verdade. E vem comigo buscá-la. A tua, guarda-a contigo”. Assim o poeta espanhol Antônio Machado expressou de forma certeira as personificações que se arvoram na tentativa de impor suas opiniões como algo absoluto e irrefutável.

O famoso dito segundo o qual política, futebol e religião não se discutem, temas que indiscutivelmente despertam paixões e convicções, deve ser entendido quando em um dos polos da conversa está um típico e chato dono da verdade. Para este, sua opinião é inquestionável e outra diversa é sempre equivocada e tola, expondo assim marcantes características de maniqueísmo. Inclui aí algo tão relevante, a saber, o debate da atualidade sobre tratamentos da Covid.

Não apenas para os temas acima, reparem ao seu redor que outros temas simplórios e sem significado maior também são tratados de forma absoluta pelos chatos donos da verdade, como por exemplo um caminho a seguir de carro, uma receita de dieta, um roteiro de viagem, etc.

Encontramos estes tipos em todas as nossas convivências diárias, seja em âmbito familiar, entre vizinhos ou no campo profissional. Mas são nas redes sociais que os donos da verdade encontram terreno fértil no labor muitas das vezes maniqueístas em praticar seu esporte favorito que é sufocar e até intimidar os que pensam diferente.

E nestes termos, de forma rápida e nefasta ocorre a difusão da perigosa desinformação, que segundo artigo cientifico do acadêmico Michael Peters, professor emérito da Faculdade de Educação da Universidade de Illinois, a define como Modernidade Viral. “O conceito de modernidade viral aplica-se às tecnologias virais, códigos e ecossistemas nos sistemas de informação, publicação, educação e conhecimento emergente”. Assim, vivemos um momento paradoxal em que as pessoas já não acreditam em nada e ao mesmo tempo são capazes de acreditarem em qualquer coisa.

Neste diapasão, vale a compreensão do termo “pós verdade”, que foi considerada em 2016 pelo Dicionário Oxford como a palavra do ano, conforme matéria no britânico The Guardian. Alinhado ao entendimento da temática do historiador Leandro Karnal, “diferente da mentira, a pós-verdade é a escolha de uma suposta verdade por afetividade, ou seja, apenas é “verdade” o que está de acordo com os valores de quem a procura, independentemente de haver ou não comprovação. Portanto, pós-verdade é a aceitação por afinidade de informações manipuladas, cuja origem pode ser verdadeira ou mentirosa, em um mundo em que elas são disseminadas rapidamente”.

Em detrimento disso, desnuda-se uma característica de algumas pessoas que os latinos de fala espanhola chamam de “doble moral”. Como exemplo, quando há um caso de corrupção de um indivíduo de um grupo ideológico oposto, explodem publicações nas redes sociais explicitando o fato e em defesa da moralidade e da ética. Mas se o fato foi praticado por um indivíduo da “sua bolha”, há um silencio ensurdecedor, nenhum comentário ou crítica ao comportamento questionável.

Destarte, a moral que se expressa não se dá propriamente pelo fato, mas por quem o praticou. Algo como o dito por Maquiavel e que foi repetida pelo ex presidente Getúlio Vargas: “Aos amigos os favores, aos inimigos o rigor da lei”.

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