JOSÉ ROBERTO LIMA*
A lei 4878/65 trata do abuso de autoridade. <TB>Uma conduta, porém, não está prevista nesta lei, mas deveria estar. Refiro-me ao abuso de autoridade alheia. É o caso de quem acha ter algum privilégio por que é amigo ou familiar de um servidor púbico.
Tive a honra de ser um dos fundadores da Delegacia de Mulheres, juntamente com a Dra. Elaine Matozinhos, figura legendária na defesa dos direitos femininos. Num dia normal de trabalho, ao chegar com a viatura, uma distinta senhora ocupava a área de segurança. Pedi-lhe que deslocasse um pouco o seu automóvel.
– Como você se atreve a dizer onde eu devo parar meu carro?! Sabe com quem você está falando?!
Ela começou a esbravejar e uma multidão se aglomerou ao nosso redor. Meu colega, com pouca experiência policial, sugeriu: “Prenda-a! Isso é desacato!”
Naqueles breves segundos, refleti sobre a tendência de percepção dos fatos em desfavor da Polícia. Não é por maldade que se faz isso. É que, desde os tempos das cavernas, temos uma pontinha de raiva das autoridades.
É como se disséssemos: “Maldito seja Jacques Rousseau, com sua ideia de que abrimos mão de parcela da liberdade para a fundação do Estado”. E aí, na primeira cena de embate entre o Estado e o indivíduo, ficamos do lado deste.
Então, imagine uma ação policial contra aquela senhora. Dificilmente haveria quem se dispusesse a depor em nosso favor. Afinal, seria a Polícia contra um indivíduo; seriam dois homens contra uma mulher.
Foi assim que a interlocutora deu a oportunidade de virarmos o jogo. Ela esbravejava que era esposa de um capitão. Portanto, não éramos nós que abusávamos da nossa autoridade. Ela é que abusava da autoridade alheia (do marido).
Falando em tom que os curiosos podiam ouvir, mas sem gritar, perguntei:
– O marido da Senhora é capitão há muito tempo?
– Não! Ele era soldado. Mas passou nos cursos de sargento e de oficiais. Hoje ele é capitão! Ouviu, bem!? Ca - pi - tão!!!
- Parabéns! Seu marido fez uma carreira brilhante! Mas a Senhora continua esposa de soldado até hoje.
Ela não entendeu a mensagem: “seu marido progrediu, mas a Senhora, não”. Enquanto continuava a esbravejar, os curiosos manifestaram-se em nosso favor e se ofereceram como nossas testemunhas. Ela saiu envergonhada e tirou o carro da área de segurança, onde, de fato, não deveria ter parado.
*Advogado, professor da Faculdade Promove, mestre em Educação, delegado federal aposentado e autor de “Como Passei em 15 Concursos”.