Manoel HyginoO autor é membro da Academia Mineira de Letras e escreve para o Hoje em Dia

A defesa improvisada

19/08/2016 às 20:05.
Atualizado em 15/11/2021 às 20:27

Há muito, desejava falar sobre Pedro Fernandes Pereira Correa, nascido em Montes Claros de Formigas, como se chamava então o burgo. Era 1837 e o dia 29 de junho. Na terra natal, fez o primário e o latim, depois indo para Diamantina, onde se internou no Ateneu São Vicente de Paulo, sendo condiscípulo de Joaquim Felício e de Couto Magalhães, como registra Nelson Vianna, em suas “Efemérides”.

Mudou-se para São Paulo, matriculando-se na Faculdade de Direito, em 1864. Fez curso brilhante e revelou seus méritos, recebendo elogios de Xavier da Veiga e Nélson de Senna: “Insinuante e simpático, modos francos, mas afáveis, o impunham no conceito dos amigos e do povo como o doutor democrata, eloquente e ilustrado, a todos encantando com a fluência torrencial de sua palavra”. 

Advogou em Montes Claros, Diamantina, Vila do Guaicuí e, finalmente, no Serro, tendo exercido a magistratura em cidades do Norte de Minas. Mas encontrou tempo para a poesia, publicada em vários periódicos, no Rio de Janeiro e Belo Horizonte, ainda não capital.

Ficou famoso um caso em que atuou. Viajava pelo interior a caminho da cidade natal, quando – passando por Conceição do Serro – ouviu dizer que se julgava determinado criminoso. Como se encontrava, dirigiu-se à casa em que se reunia o tribunal do júri. Exatamente naquele momento, o juiz perguntava ao réu se tinha defensor. Com resposta negativa, o magistrado consultou, como de praxe, aos presentes se havia alguém para assumir o patrocínio da causa. Diante do silêncio, ouviu-se o recém-chegado: “Eu aceito”. 

“Pelo seu trajar impróprio para o local e o ato, recebeu ares e insinuações de deboche, até porque de botas e com chilenas de prata. Admitiu o patrocínio gratuito do réu indefeso, examinou rapidamente os autos do processo, mas conseguiu refutar a acusação, a mais tremenda até então produzida na sessão. O promotor reconstituíra o crime nos seus mais terríveis pormenores, classificando o réu como monstro, sequer conseguindo quem o defendesse. “Foi necessário – acrescentou –, que por ali aparecesse um forasteiro que ninguém sabia quem era, de onde vinha, nem para onde ia, a fim de assumir temerariamente a aventura de patrociná-la”.

O jovem diplomado ergueu a voz: “Quem sou eu? Chamo-me Pedro Fernandes Pereira Correa, recém-laureado pela Faculdade de Direito de São Paulo. De onde venho? Do maior centro cultural do país, de onde partem as benéficas cintilações que se refletem gloriosamente por todo este imenso Brasil. Para onde vou? Sertão a adentro, rasgando as trevas das iniquidades com a luz da Justiça, procurando levar um lenitivo e salvar da ignomínia das perseguições os humildes e desprotegidos”.

Foram horas de oratória, que resultaram na unânime absolvição do réu. O jovem advogado, a partir de então, ganhou admiradores e causas. Não se livrou Pedro Fernandes, contudo, da execução, em 9 de novembro de 1879, por um fidagal inimigo. Os defensores também são mortos a tiros.

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