Manoel HyginoO autor é membro da Academia Mineira de Letras e escreve para o Hoje em Dia

Aconteceu em agosto

23/06/2020 às 18:54.
Atualizado em 27/10/2021 às 03:51


Por muito menos, talvez, houve o suicídio de Getulio em 24 de agosto de 1954. Um inquérito policial-militar, instalado no Galeão, no Rio de Janeiro, queria identificar o mandante do atentado contra o jornalista Carlos Lacerda, na rua Toneleros, dias antes. Ele denunciava abertamente desvios do governo. Gregório, o guarda-costas e chefe da guarda pessoal do presidente, com QG no próprio Catete, homem de confiança de Vargas e família, “se recusou obstinadamente a reconhecer que tinha havido alguém acima dele que deu a ordem” de eliminar o jornalista. O próprio Lacerda afirmou: “Ele se atribuiu quase tudo e já então passou a admitir, dizendo: A ideia foi minha”. O propósito era executar Lacerda. 

Benjamim Vargas, o Bejo, foi intimado a depor no Inquérito, porque tinha ascendência sobre Gregório. “Pela presente, fica o sr. Benjamim Vargas intimado a comparecer ao quartel, assinado, coronel Adil de Oliveira.  Benjamim, que deveria revelar o fato ao mano, no Palácio,  entrou no quarto do presidente e disse: ”Getulio, estou intimado a comparecer ao Galeão para depor”. Getulio teria dito: É o fim”.

O presidente se sentiu pessoalmente atingido, como contou Lacerda. “Traído, enganado pela família; o irmão envolvido no assunto, não mais apenas o chefe da Guarda Pessoal”. Alzira, a filha predileta e sempre ouvida, confirmaria os fatos. “Bejo chegou ao quarto do irmão dizendo: “Estou aqui com um mandado de intimação para depor”, e Getulio respondeu: É o fim”, e, em seguida, deu um tiro no coração”. 

O atentado contra Lacerda se deu em 5 de agosto, em Copacabana, na rua Toneleros, onde residia o jornalista. Este, após cumprir naquela noite um programa de palestra em um educandário, acompanhado pelo major Rubem Florentino Vaz, da Aeronáutica (havia em torno dele sempre um oficial daquela força para protegê-lo), desceu do carro, já passara da meia-noite, demorou para achar a chave do apartamento, vislumbrando um vulto a uns três metros de distância do automóvel.

Imediatamente, ele abriu o paletó, sacou uma arma e começou a atirar. O indivíduo, contratado para executar Lacerda, acertara o oficial. Desarmado, Vaz avançou sobre o assassino. Nada feito. Era tarde demais.

A sucessão de depoimentos na República do Galeão, como se apelidou a central das investigações, não surpreendeu Vargas, embora a nação se achasse em ebulição. “Na solidão do poder em ruínas”, Getulio não se dá por vencido, mesmo supondo que possa ser convocado a depor sobre o assassinato do major.

Na inauguração da Mannesmann, em 12 de agosto, pronuncia um discurso arrasador: “As injúrias que me lançam, as pedras que me atiram, a objurgatória, a mentira e a calúnia não conseguiram abater o meu ânimo, perturbar a minha serenidade, nem me afastar dos princípios de amor e humildade cristã por que norteio a minha vida e que me fazem esquecer os agravos e perdoar as injustiças. Por outro lado, não terei condescendência para aqueles que se fazem agentes do crime ou instrumentos de corrupção”. Adiante: “Saberei resistir a todas e quaisquer tentativas de perturbação da paz e da tranquilidade pública”.

Depois, seria 24 de agosto. Pela manhã, no Catete, Vargas se mata com um tiro de revólver calibre 32, cabo de madrepérola. O coração para.

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