Manoel HyginoO autor é membro da Academia Mineira de Letras e escreve para o Hoje em Dia

As causas da rebelião

02/05/2017 às 19:00.
Atualizado em 15/11/2021 às 14:22

Período de descanso para inúmeros. Assim foi o feriadão da Inconfidência Mineira, que assinalou mais um ano da execução de Tiradentes em 1792, no Rio de Janeiro. Pareceu-me que, em data tão solene para as gerações deste princípio de século XXI, os brasileiros não perceberam exatamente quem foi Joaquim José, nem o que há de grandioso e simbólico no movimento de que participou. 

Bem verdade que, este ano, foi lançado o filme “Joaquim” para contar a história do herói que a República consagrou e que a monarquia portuguesa, por motivos óbvios, execrou. De todo modo, ele nutria ideais e enxergou na colônia, cujas terras foram descobertas por Cabral, uma grande e pujante nação. 

“Joaquim”, o filme que comentarei oportunamente, espelha uma época e o domínio português. Manoel e Joaquim são denominações típicas em um povo que, percebendo as reduzidas dimensões de seu território, decidiu ampliá-lo. Venceu os mistérios de mares nunca antes navegados e chegou à África, à Índia e vizinhança e, finalmente, à terra de Santa Cruz.

Minas Gerais, longe da península ibérica e da Coroa portuguesa, sabia que algo acontecia. Um velho conselheiro régio, Antônio Rodrigues da Costa, lembrado pelo historiador Jaime Cortezão, advertia, em 1732, sobre o perigo que representava o Brasil para os desígnios do rei e sugeria medidas mais humanas, capazes de diminuir as tensões entre a nação dominadora e o país dominado. 

Exatamente sessenta anos antes do sacrifício de Joaquim José numa praça carioca, o sábio conselheiro alertava que o enriquecimento produzido pelo ouro conduziria inevitavelmente à rebelião. Defendia mudança de postura do colonizador, um governo justo e ponderado. Advertia de modo enfático: “riquezas extraordinárias e excessivas fazem muito duvidosa e arriscada a conservação daquele Estado”, isto é, do Brasil. 

Rodrigues da Costa tinha razões de sobra e não era um indivíduo qualquer. Tratava-se, como lembra João Camillo, de homem culto, viajado, conhecedor da história e das cortes europeias, antigo aluno do celebrado Colégio Santo Antão, bom latinista, possivelmente adepto da teoria jesuítica do consensus. Rodrigues da Costa não expunha um pensamento relativo apenas ao Brasil. Partia do princípio de que maus governos levam seus súditos à rebelião. No caso específico de Minas Gerais, sua enorme produção de riquezas fazia crescer a vexação.

O ilustre português é peremptório: “o perigo interno, que tem os Estados e nasce dos mesmos vassalos, consiste na desafeição e ódio que concebem contra os dominantes, o qual ordinariamente procede das injúrias e violências com que são tratados pelos governadores, da iniquidade com que são julgadas as suas causas pelos ministros da Justiça e da dificuldade de trabalho, despesa e demora de que necessitam recorrer à corte...”.

E, ainda, “também nasce muito principalmente do encargo dos tributos quando sentem que são exorbitantes e se lhes fazem intoleráveis”.

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