De regresso de Portugal, a que se deslocara para receber uma honrosa distinção literária, o escritor Edmilson Caminha sugeriu ao jornalista Lourenço Cazarré, que também reside em Brasília, que me encaminhasse um exemplar de “A arte excêntrica dos Goleiros”, da Arribaçã Editora, cuja segunda tiragem acabara de sair. Fez muito bem o prestigiado ator de Fortaleza, atendido prontamente: para minha alegria e deleite.
Cazarré, nascido em Pelotas, é jornalista pela Universidade Católica de lá e autor de mais de 40 livros, entre coletâneas de contos, de romances e novelas juvenis. E, se a sua mais recente obra está na segunda edição, é porque agradou, mas a prefaciadora, Regina Zilberman, adverte: “tratam-se de catorze contos, protagonizados quase todos por homens que compartilham similar situação, pessoas sem eira nem beira que vivem nas franjas de suas profissões”.
O primeiro personagem é um redator do rádio do interior, que cumpria estágio obrigatório. Era entrevistado por um experimentado profissional, rosto balofo, com uma garrafa de cerveja pela metade e um copo de fundo grosso com cachaça até a borda. Era muito ruim vê-lo ou ouvi-lo diariamente no rádio, quanto mais ao vivo. Mas o veterano foi logo orientado: “O mundo está-se afogando lá fora e eu me afogo aqui dentro”. São as chuvas que Deus nos manda. Pela volta da cidade, a ralé já deve estar com água pelo pescoço. E isso é bom para a gente, porque nos garante os noticiários. A voz pastosa e o bafo azedo indicavam bebedeira forte”.
Depois, o pretenso chefe, disse que contaria uma história de quando se formava o profissional no coice do dia a dia. O jornal mandou um carro, o temporal bravo e o chefe passou o braço pelo seu ombro e lhe falou: “Agora vá até lá e veja como os pés-rapados estão se virando. Cruzei pelo povaréu que, no alto da rua, observava as ruas alagadas, lá em baixo. Esperavam que a água se fosse para voltar aos seus casebres. Comecei a descer a ladeira. E continuei avançando, mesmo depois que a água chegou aos joelhos. A água me batia no umbigo. Eu tomava notas...”.
Voltei ao jornal e escrevi de um só fato uma matéria que pareceu genial. O chefe pegou o calhamaço e começou a ler. Berrou: “Aqui só tem discurso”! Rasgou as seis ou sete folhas, jogou-as na minha cara e berrou mais alto: “Eu quero uma história de gente de carne e osso”. “Eu quero emoção”!