Manoel HyginoO autor é membro da Academia Mineira de Letras e escreve para o Hoje em Dia

No meio do caminho

Publicado em 15/10/2018 às 18:41.Atualizado em 10/11/2021 às 02:58.

No meio do caminho havia mais que a pedra vista por Drummond. Descobriu-se, em meio a sucessivas buscas inclusive com drones, que também existia, à margem de uma rodovia que percorre o Triângulo Mineiro, uma criança de 6 anos, exposta à chuva, após os pais e o irmão de 8 terem perdido a vida em um acidente.

No meio do caminho estava a criança, angustiada e desorientada, no sumiço que preocupava familiares distantes e as autoridades. À altura de Araguari, na proximidade do dia da padroeira do Brasil e do dia da criança, a desamparada criatura sofria a angústia da solidão e o incômodo das intempéries. O poeta de Itabira, há tempo falecido, não vislumbrou uma criança no meio do caminho, como tantos outros meninos e meninas do Brasil, padecendo em dor e penúria.

Nascida em Belo Horizonte, romancista, poeta e ensaísta, da Academia Mineira de Letras, a professora Associé à la Sorbonne, Maria José de Queiroz, em homenagem a Drummond, escreveu um poema em que diz: “todos os caminhos do mundo se abriram em veredas, veredas do sertão mineiro, severo, agreste. Todos os mares se fizeram montanhas, montanhas de Minas, graves, austeras”.

Pois a escritora percorreu países, mudou constelações de vário brilho e diferente estrela, mas, “no fim de cada estrada, Minas me espera, de alcateia, na esquina de mim mesma”. “Minas me diz presente”: em todas as estradas (e o estado forma a maior rede rodoviária nacional, não tão bem cuidado como merece) há pedras e meninos, com a que viu o itabirano ilustre e o menino que muitos veículos no Triângulo Mineiro não divisaram.

E todos eles merecem atenção, cuidado, carinho. Eles são o futuro do Brasil, não podem ficar ao relento e ao abandono; exigem amparo e proteção para que não sigam o perigoso atalho destes dias, que o levam ao crime e à morte.

O notável cronista que foi menino no Espírito Santo, e para Minas veio a fim de formar-se em profissão, fez um apelo a que, a cada ensejo, volto. Ele se dirige a Cosme e Damião, rogando-lhes que preserve os meninos ricos, que podem ficar doentes e tristes, ouvir e ver coisas ruins: os filhos dos casais separados e sofrem, e os que, juntos, se dizem coisas amargas que as crianças veem, ouvem, sentem; os filhos dos bêbados e estúpidos e de mães histéricas ou ruins; e os órfãos, os filhos sem pai e rejeitados.

Mas, na estrada da vida, merecem ser lembrados e protegidos, tanto os meninos que estudam quanto os de rua, que só sabem pedir esmola, furtar e agredir. Nem se fala aos abrigados em asilos e orfanatos, que igualmente precisam de apoio e orientação.

E, há os dos morros pobres e dos mocambos, os vulneráveis meninos da cidade, assim como os barrigudinhos da roça, de canelinhas finas e cabelinhos sujos. Enfim, diz o antigo menino capixaba: “afastai, Cosme e Damião, de todo perigo e de toda maldade os meninos do Brasil, os louros e os escurinhos, todos os milhões de meninos deste grande e pobre e abandonado meninão triste que é o nosso Brasil”.

Dia da criança e da Senhora Aparecida são rentes e há pequerruchos como a que perdeu os pais e o irmãozinho em pleno caminho do interior de Minas. Não é apenas pedra.

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