Até hoje não se tem ideia muito exata e perfeita das ações da Coluna Prestes em sua marcha por extensas e longínquas regiões do Brasil. As versões mais conhecidas são dos integrantes do grupo, como descrito em “A Coluna Prestes (Marchas e Combates)”, de Lourenço Moreira Lima, e “A Coluna Prestes”, de Nelson Werneck Sodré, contendo análise e depoimentos dos participantes da longa jornada.
Estou certo, todavia, de que não se terá um panorama imparcial dos acontecimentos que marcaram aquela época candente da nossa história, sem se ler “Goiás Anos 20 – Patriotas e Revoltosos”, de Sílvio do Rosário Curado Fleury, lançado no ano passado, em Goiás.
Antes de mais nada, obriga-me explicar quem é o autor: Silvio, médico e escritor de Corumbá, nascido em 1913, passou a juventude em sua cidade e estudou no Lyceu de Goyás, na antiga capital. Na década de 1930, foi preso no contexto das revoluções de 1932, a Constitucionalista, e de 1938. Graduado em medicina no Rio de Janeiro, na Universidade do Brasil, transferiu-se para Belo Horizonte, casando com Ana Bahia Fleury, em 1966.
Na capital mineira, prestou serviços em hospitais públicos e privados, principalmente na Santa Casa, que lhe concedeu a Medalha Hugo Werneck, em reconhecimento por décadas de devotada colaboração. Falecido em 2006, em Brasília, não deixou de reunir, enquanto viveu, escritos que fizera, desde 1920, quando se deram confrontos entre membros da Coluna Prestes e os chamados patriotas, os voluntários goianos que se organizaram em defesa de regiões invadidas e de propriedades particulares.
No volume em questão, editada pelo filho, também médico, Ricardo Bahia Fleury, diplomata com atuação presentemente em Moscou, contam-se episódios da trajetória da Coluna Prestes por diversas regiões, com ênfase em Goiás. O historiador Ramir Curado observa que “ao historiar sobre a presença daqueles militares sublevados pelas cidades, campos e cerrados de Goiás, o autor destaca em primeira mão o caso de sua terra natal, a pequena Corumbá, que foi a única localidade deste Estado central e certamente uma das poucas cidades brasileiras a organizar e executar um plano de defesa contra os “revoltosos”.
Tem-se, assim, a oportunidade de haurir em fonte fidedigna dados muitos preciosos da história brasileira naqueles recônditos rincões pouco conhecidos.Sílvio Fleury engloba temas da história militar na região desde a Guerra do Paraguai, a pouco conhecida Revolução Goiana de 1909 e, além da Coluna, a Revolução de 1930, que resultou na ascensão de Vargas à presidência da República.
Mesmo quando voltava sua atenção para seus pacientes na Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, ora comemorando 117 anos de fundação, Sílvio Fleury jamais se esqueceu da infância e adolescência, dedicando-se a redigir lembranças, que merecem a classificação de memórias. Elas ajudam a compreender o que aconteceu no Brasil, e em Goiás especificamente, a cuja capital chegavam os principais jornais da capital da República e de São Paulo com atraso de até duas semanas.
Mas não se trata apenas de um relato de embates político-militares. Tem-se um levantamento detalhado e fiel da vida naquela rica região brasileira, de costumes e tradições que não se pode deixar apagar.