Manoel HyginoO autor é membro da Academia Mineira de Letras e escreve para o Hoje em Dia

O dinheiro da Revolução de 1842

05/04/2016 às 20:40.
Atualizado em 16/11/2021 às 02:48

O nome apareceu em minha memória quando um dentista, com gabinete na rua Carijós, que se esforçava por repatriamento de 55 mil libras esterlinas, transferidas (?) ao Banco de Londres por um dos líderes da revolução liberal de 1842, o Barão de Cocais, José Feliciano Pinto Coelho da Cunha, a ele se referiu: Lamim, topônimo alusivo a José Pires Lamim, fundador do distrito que pertenceu a Queluz, atual Conselheiro Lafaiete, município desde 1962.

Interessei-me, porque constava existir ali uma grande biblioteca, formada graças a Napoleão Reis, segundo nome de Antônio Severiano Nogueira, lá nascido em 1867. A curiosidade residia não simplesmente na troca de nome do menino, que, amigo dos livros, andava léguas para estudar latim com o professor particular José Garcez. O pai, fazendeiro, com mais oito filhos, não tinha condições de oferecer ensino a todos. Transferiu-se o menino a Barbacena a fim de continuar seu projeto de vida em um colégio. Para custear, ofereceu-se como repetidor de matérias e, logo, ingressou no magistério particular, passando a dele viver

A cidade dos Bias Fortes e Andradas tampouco o satisfazia, deslocando-se para São Paulo, movido por férrea vontade e adotando o nome de Napoleão Reis. Fez-se propagandista da libertação dos escravos e dos ideais republicanos. A seguinte mudança para o Rio de Janeiro abriu-lhe novas portas. Ingressou na Escola Militar, mas se viu vítima da febre amarela e do beribéri. Insistiu. Professor do prestigioso Colégio Alfredo Gomes e seu diretor, notabilizou-se pelo estudo e conhecimento de línguas.

A curiosidade residia não simplesmente na troca de nome do menino, que, amigo dos livros, andava léguas para estudar latim...

Como Guimarães Rosa, de Cordisburgo, muitos anos depois, falava e escrevia em quinze línguas. Entre elas, latim, espanhol, francês, inglês, italiano, alemão, japonês, chinês, grego, russo, árabe, hebraico, sânscrito, tupi-guarani, indu e industani, fazendo-se entender em turco. 

Na Escola Militar, fez contatos com os líderes positivistas que planejaram a República, tornando-se companheiro de ideais e iniciativas. Casou-se, assim, com Maria Peçanha de Magalhães, da família do líder Benjamim Constant, com quem teve três filhos. Do Exército, passou para o Ministério das Relações Exteriores, conquistou a confiança do chanceler Barão do Rio Branco, que o admirava, e soube aproveitar sua capacidade de trabalho. Era uma espécie de arquivo ambulante e, assumindo Lauro Muller a pasta, foi nomeado ministro plenipotenciário. 

Durante a Primeira Grande Guerra, foi mandado ao Extremo Oriente, pronunciando conferências em Inglês, em Honolulu, e em Japonês, em Tóquio. Foi o primeiro diplomata estrangeiro a ingressar em terras japonesas, discursando e escrevendo corretamente a língua nacional. Durante suas viagens, encaminhava livros e moedas dos países visitados para a Biblioteca Laminense, o modesto mas querido rincão em que nasceu, que chegou a ter 26 mil volumes.

Faleceu em 24 de julho de 1935, um filólogo verdadeiro, que quis transmitir o que aprendera nos livros aos conterrâneos do interior. E constato, neste momento, que o dentista que lutava pela repatriação das libras esterlinas do Banco de Londres era João Nogueira Chagas, era seu sobrinho. Do dinheiro, nada sei.

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