Manoel HyginoO autor é membro da Academia Mineira de Letras e escreve para o Hoje em Dia

O homem que nada fazia

05/05/2016 às 19:41.
Atualizado em 16/11/2021 às 03:17

O mais recente número do “Jornal da ANE” é uma excelente síntese do que produzem os escritores brasileiros. Para comentá-lo, exigiria mais espaço do que disponho. No entanto, vamos por etapas, porque pior seria omitir sobre temas focalizados por vários e bons autores. Ênfase merecem artigos sobre dicionaristas brasileiros. Um deles, de Rossini Corrêa, observa que o “Grande Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa” nasceu com o propósito de ser o mais completo de todos os tempos, em uma tradição de grandes glossários, que vão de Morais e Silva a Jaime de Séguier, sem o olvido de Cândido de Figueiredo e Caldas Aulete, desembocando no Aurélio, do alagoano Buarque de Holanda Ferreira”.

O objetivo foi alcançado e os números o dizem. O Dicionário de Houaiss contém 230 mil verbetes, mais de 376 mil acepções, 415 mil sinônimos, 28.400 antônimos e 57 mil palavras arcaizadas e contou para sua elaboração com 150 colaboradores de países lusófonos. Conclui o articulista: “Foi o coroamento de uma vida, sem dúvida, típico de quem não esteve aqui simplesmente a passeio, mas se encontrou no mundo a serviço, sem que deixasse ou se esquecesse do que existe de prazeroso nos lazeres”. E nos fazeres, acrescentaria eu.

Em outro artigo, Edmilson Caminha, que recentemente ingressou no Pen Clube do Brasil, focaliza o lexicógrafo Aurélio Buarque de Holanda, contista de notáveis méritos, mas consagrado e popularizado por seu dicionário, conhecido de Norte a Sul. Edmilson considera o dicionarista “um arqueólogo da língua, um garimpeiro de palavras, um pescador de locuções. Sabia que todo vocábulo é, a um só tempo, único e vários, pela etimologia, pelo sentido original, pelas alterações morfológicas e semânticas...”.

Profissional, lutou sempre pela remuneração da atividade intelectual, como um construtor cobra por uma ponte e o médico por uma consulta. Ao receber uma proposta de um diretor de complexo industrial na Bahia, para que desse um curso para os servidores de sua empresa, lhe oferecia passagem e hospedagem, respondeu: “Meu caro, se moro no Rio e você me convida para ir a Salvador, suponho que me dará as passagens, pois ir e voltar a pé cansa, na minha idade. Espero, também, que me dê hotel, para que eu não tenha de dormir na rua. Agora me diga, quanto receberei pelo planejamento do curso, pela elaboração do material, pelas horas de aula...?”

Aurélio, agindo assim, pensava falar em nome dos escritores, dos redatores, dos revisores, que já tão mal pagos, e não podem, não devem, trabalhar gratuitamente. “Ganho muito com o dicionário, bem mais do que preciso, embora todo esse dinheiro venha tarde, quando já me sinto velho, cansado, sem ânimo para aproveitar as delícias do mundo. Bom seria ter a conta bancária de hoje aos 20 anos, cheio de força e de saúde para amar, para beber e para comer o que há de melhor na vida”. 

O dicionarista sublinhava o pouco respeito que as pessoas têm pelo homem que se dedica às letras, e contava um caso típico: “A importância que nos dão é quase nenhuma, ao menos pelos mais jovens. Imagine que, na escola do meu neto Pedro Antônio, a professora pediu à meninada que dissesse qual a profissão do avô, “O meu é engenheiro”, “O meu é economista”, “o meu é advogado”! E o seu Pedrinho?

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