Manoel HyginoO autor é membro da Academia Mineira de Letras e escreve para o Hoje em Dia

O obsceno chega aos lares

21/03/2016 às 19:26.
Atualizado em 16/11/2021 às 01:53

Chama atenção nas gravações telefônicas feitas pela PF nos dias mais recentes com personalidades do ainda governo da República é o baixo nível das conversas, com ênfase com o ex-presidente. O jornalista e advogado Acílio Lara Resende, que já dirigiu o “Jornal do Brasil” em Minas, alertou para a expressão “sacanagem homérica” de uma das falas.

Observou tratar-se de uma contradição em termos (“contradictio in adjeto”) porque o poeta grego Homero a usou para grandes feitos, como um ato heroico, grandioso ou épico. Acílio comenta que “sacanagem”, segundo o dicionarista Aurélio, é devassidão, bandalheira, libertinagem. “E sacana é aquele que não tem caráter. É o mesmo que canalha, patife, malandro, sabido, espertalhão. Deduz-se, então, que, para o ex-presidente, a sua convocação para depor na PF é fruto “da devassidão ou da bandalheira, que tomaram conta do país, mas, sobretudo, da PF”. 

Ora, o que se é coagido a ouvir pelas rádios e televisões nestes dias é simplesmente deprimente. Nem é preciso ser pudico para condenar o uso de palavras e expressões de baixo calão, emitidas exatamente por pessoas que, por exercerem ou terem exercido cargos relevantes nos altos escalões, deveriam dar um exemplo de pureza pelo menos verbal. 

É mais do que uma degeneração idiomática, paralela à relaxação de costumes, como comentou Aires da Mata Machado Filho, um excelente conhecedor da língua. “É fenômeno social e ético, antes de ser fato linguístico”, registrou. O ilustre gramático diamantinense ensina ainda:

“Entre o calão, a linguagem das sarjetas, constituída de termos injuriosos e de expressões indecentes, e a linguagem polida e nobre, há termos de gíria, cujo fundo indecoroso é disfarçado”, o que não se dá com o caso em tela, cujo conteúdo foi exatamente enxovalhar pessoas ou entidades visadas pela crítica”.

O linguajar telefônico, supostamente entre apenas duas pessoas, ganha as ruas e os veículos de comunicação, como neste caso. Pouco se importam os interlocutores. A gíria ou o calão ganhou a praça pública, para satisfazer as classes baixas da sociedade, conforme Aires. “Pela sua origem, amiúde equívoca ou indecente, constitui uma camada inferior na estrutura da língua”. 

A propósito, lembro que o poeta Paz, consagrado poeta mexicano, advertiu que a corrupção da língua é fruto e consequência da corrupção dos costumes, inclusive políticos. De um povo, de suas lideranças, obviamente. Quando o palavrão chega aos lares de uma nação, pronunciado por pessoas investidas em autoridade, há de temer-se. Não se pode profanar a consciência do cidadão, invadindo sua casa e ferindo sentimentos e ética, como ora acontece. Muito mais pode vir, porque ainda não se sabe integralmente o conteúdo das falas telefônicas já gravadas e divulgadas amplamente pela mídia, também objeto de furiosas críticas. Do fosso de podridão em que nos afundaram, muitas revelações tenebrosas poderão advir. 

Não sem razão, o arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, advertiu: “A política partidária instalou incontestavelmente o caos na sociedade. Está perdida a capacidade para diálogo que gera consensos e entendimentos. Não paira, absolutamente, o espírito de Deus no mundo da política”. 

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