Manoel HyginoO autor é membro da Academia Mineira de Letras e escreve para o Hoje em Dia

O voto incerto da Inglaterra

Publicado em 28/06/2016 às 19:44.Atualizado em 16/11/2021 às 04:05.

Neste ano de quarto centenário da morte de Shakespeare, sua pátria é mais lembrada que a vida e a obra do genial autor de Strafford-up- Avon. Lembrada, sim, porque a Inglaterra está decidindo sobre sua manutenção na União Europeia. O plebiscito realizado em junho incomoda o mundo, já turbulento e sacudido por sucessivos infortúnios, entre os quais a migração do Norte da África e do Oriente Médio para o continente de William e de Cervantes, cuja morte também está completando quatrocentos anos. 

Berço da Revolução Industrial que no século XVIII transformou o país na maior potência mundial, o Reino Unido esteve à frente de um dos maiores impérios da história, disseminando seus domínios pelos cinco continentes.

O Império Britânico adquiriu tamanha extensão que a Grã-Bretanha se tornou uma ilha tão importante quanto o Estado de São Paulo no Brasil,chegando a controlar um quarto das terras do planeta. A língua inglesa no mundo atual é uma das marcas do passado colonizador. A Comunidade Britânica, a Commonwelath, criada em 1931, passou a contar com 53 países e cerca de 1,8 bilhão de pessoas. 

Os números do Reino Unido, integrante do G-8, que reúne as sete nações mais ricas do mundo e a Rússia, já revelavam um PIB de U$ 2,174 bilhões (isso até 2009, o sexto do mundo) e pode orgulhar-se de ser um dos principais centros financeiros do planeta. Shakespeare, com sua obra fantástica, ajudou a construir essa grandeza.

No universo anglo-saxão, nenhum lar é completo se não contar com um exemplar da Bíblia e outro das “Obras Completas de Shakespeare”. Todas as pessoas consideram que sua obra é essencial em casa, como símbolo da religião e da cultura.

G.B Harrisson faz um traço da personalidade do dramaturgo, observando que nem sempre ele foi uma figura tão emblemática. Mas a Inglaterra já se consagrara como Rainha dos Mares, quando o escritor e ator vivia numa época em que nem os atores e o teatro tinham tanta importância e prestígio. A ideia de ser ele o gênio supremo da raça inglesa só surgiu depois de decorrido um século de sua morte.

A primeira referência pública a Shakespeare foi hostil e malévola. Robert Greene, o autor mais popular de sua geração, faz a crítica: “Há por aí um aventureiro, Corvo enfeitado com nossas penas, de coração de tigre envolto em pele de ator, que se presume tão capaz de produzir versos brancos como o melhor de vocês; e sendo ele um perfeito Johannes fac totum, é ainda, em sua própria opinião, o único Shakespeare do país”. 

Greene não estava isolado ao único a menosprezar o talento de Shakespeare. Ainda no século XVIII, o gênio de Straford havia morrido há 52 anos quando novas edições de sua obra apareciam. Não era ainda um “clássico”, cujo poder de sobrevivência se comprovasse, tampouco um moderno, pois esperou ser reconhecido, o que aconteceria na segunda metade do centênio seguinte.

Recordo o testamento do poeta, em 25 de março de 1616: “Com saúde e memória perfeitas, pela graça de Deus, lavro este meu documento do seguinte modo. Primeiramente, deixando meu corpo à terra, de que é feito, ponho minha alma nas mãos de Deus, meu Criador, esperando e crendo firmemente, exclusivamente pelos méritos de Nosso Senhor Jesus Cristo, meu Salvador que, compartilharei da vida eterna”. A Inglaterra, porém, dá um voto incerto no futuro, em meados de 2016.

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