Manoel HyginoO autor é membro da Academia Mineira de Letras e escreve para o Hoje em Dia

Os 500 anos de Teresa

26/08/2016 às 19:54.
Atualizado em 15/11/2021 às 20:34

A qualidade duvidosa de alguns espetáculos programados em Belo Horizonte se compensa com outros de assegurado valor. É o que pensei, quando verifiquei a apresentação, no Circuito Cultural da Praça da Liberdade, de “A Língua em Pedaços”, em comemoração aos 500 anos de nascimento de Teresa de Ávila, a santa e poeta espanhola.

A peça, inspirada em “O livro da Vida” (1565), não é uma versão autobiográfica, pois invade o campo da ficção, mostrando um imaginário embate entre a carmelita e um inquisidor que a acusa de heresia contra a Igreja, no final da Idade Média. O texto, de Juan Mayorga, agraciado em 2013 pelo Ministério da Cultura da Espanha como o melhor da literatura dramática, é inédito no Brasil e tem direção de Elias Andreato, com Ana Cecília Costa, idealizadora do projeto, como protagonista. 

Ora, nem só de esporte e de política vivemos. A história de Teresa de Ávila, ou Santa Teresa de Jesus, precisa ser conhecida e meditada em época de tanto materialismo e luxúria. Teresa Sánchez de Capeda Y Ahumada nasceu em Ávila, no Reino de Castela, em 1515. O pai, Afonso Sánchez de Capeda, um marrano ou converso, foi condenado pela inquisição, mas logrou escapar. A mãe, Beatriz de Ahumada y Cuevas, contudo, desejava criá-la como piedosa cristã. Teresita se fascinou pela sobrevida dos santos e, aos 7 anos, fugiu com Rodrigo, irmão mais novo, para tentar sacrificar-se nas mãos dos mouros. Um tio impediu-os da perigosa aventura. 

A morte da mãe a marcou profundamente. Direcionada para o convento de Nossa Senhora das Graças, piorou de uma enfermidade que começara a molestá-la antes de professar votos. Conseguiu suportar o atroz sofrimento pela leitura de “O terceiro alfabeto espiritual”, do Padre Francisco de Osuna, que transmitia instruções sobre exames de consciência, autoconcentração espiritual e contemplação interior. Passou a mortificar-se e, no dia de São Pedro, de 1559, convenceu-se de que Jesus lhe teria aparecido de corpo presente. As visões seguiram-na mais por dois anos e, numa delas, um serafim transpassou-lhe repetidamente o coração com a ponta inflamada de uma lança dourada, causando-lhe inefável dor espiritual e corporal. 

Ela própria descreveu: “Eu vi em sua mão uma longa lança de ouro e, na ponta, o que parecia ser uma pequena chama. Ele parecia para mim estar lançando-a por vezes no meu coração e perfurando minhas entranhas; quando ele a puxava de volta, parecia levá-las junto também, deixando-me inflamada com um grande amor de Deus. A dor era tão grande que me fazia gemer, e, apesar de ser tão avassaladora, a doçura desta dor excessiva, não conseguia desejar que ela acabasse...”

Teresa teve forças para vencer conversas destrutivas, quando tinha 20 anos, como conta em livro biográfico. Fundou trinta e dois carmelos, visando resgatar o fervor primitivo de muitas carmelitas, juntamente com São João da Cruz. Deixou obras grandiosas e profundas, falecendo em Alba de Tormes, aos 67 anos. Antes de morrer disse, e foram suas últimas palavras: “Senhor, sou filha de vossa Igreja. Como filha da Igreja Católica, quero morrer”. 

Mesmo ateus e livres pensadores lhe enaltecem a viva e arguta inteligência, a força persuasiva de seus argumentos, seu estilo vivo e atraente e profundo bom senso. O título de Doutora da Igreja não constituiu um favor. 

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