Manoel HyginoO autor é membro da Academia Mineira de Letras e escreve para o Hoje em Dia

Um engenheiro nos versos

01/11/2016 às 17:27.
Atualizado em 15/11/2021 às 21:29

Estes registros têm focalizado a vida política brasileira em tempos tão delicados como os atuais, em que se admitiu até que as instituições balançavam sob o impacto de ventos adversos. As dificuldades, todavia, vão sendo transpostas pelo cuidado, dos homens de bem. E, ainda, dos que ajeitam as situações para salvar a própria pele. Palavras... palavras... palavras... nada melhor a política, desde que com habilidade (o que faltou mais recentemente).

Mas Brasília, núcleo das grandes decisões nacionais, não é só verbo ou discussão de problemas institucionais. A capital que Juscelino decidiu implantar no planalto central – e implantou – para sede da administração pública do país, tem mais vozes que as do Judiciário, do Parlamento ou do Executivo. Há os que, desde o princípio, decidiram fazê-la berço e fonte de beleza literária.

Digo isso para deixar registrada a publicação, este ano, de “Razão de Amor & Longo Lamento”, de Pedro Salinas, cujo nome nada tem a ver com a terra produtora da Havana, considerada a melhor aguardente do Brasil, e com valor de garrafa até superior ao dos bons uísques escoceses.

Salinas, a que me refiro com alegria, é o autor espanhol que Fábio de Sousa Coutinho, presidente da Associação Nacional de Escritores, classifica de “O poeta do amor”. Aliás, como sublinhou na apresentação, Ánderson Braga Horta, vate das Minas transplantado à metrópole brasileira, Salinas integra a famosa Geração de 1927, aproximadamente na época em que também os modernistas cá do Brasil fizeram alvoroço inventando novos modos e maneiras de fazer arte. O movimento deu resultado positivo, quando se descobriu que “Cataguases existe”, ao publicar a Revista Verde.

Antes, deu-se em Brasília a lume “La Voz a ti Debida”, que completa a aplaudida triologia de Salinas. Devotou-se ao labor da tradução José Jeronymo Rivera, aqui mencionado em outras ocasiões, porque tem uma lista extensa de trabalhos no tipo e excelente produção como poeta e ensaísta.

Aliás, Rivera merece especial atenção por sua carreira em Brasília, a que chegou aos 28 anos, engenheiro civil, administrador e economista e enfim professor. Em excelentes versões, leitor compulsivo em espanhol, francês, italiano e inglês, nelas buscou poemas inesquecíveis. Para José Antônio Perez–Montoro, aliás, o carioca Rivera é um “poeta disfarçado de tradutor”.

De fato, o labor é tarefa complexa, exigindo, “com perfeição, reproduzir, recompor, criar em vernáculo um artefato com o máximo das qualidades do original: pelo menos, um poema que se pudesse dizer composto originalmente na língua – meta...”. José Jeronymo Rivera, já de cabelos grisalhos na bela missão, é um desses raros, que conseguem traduzir o intraduzível, até os versos de Salinas, que fluem como um caudal irrefreável.

Para ilustrar, repetimos alguns versos do poeta espanhol: “Olha, vamos desistir de tanto sermos tu e eu. Deixa ter corpo dormindo, deixa meu corpo a teu lado, deixa-os. Deixa o teu nome e o meu, deixa o que já nos doeu e vamos nós descansar de nós dois, conosco. Vamos brincar que nós éramos os mesmos, mas outros dois”.

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por