Manoel HyginoO autor é membro da Academia Mineira de Letras e escreve para o Hoje em Dia

Um exemplo não seguido

12/07/2016 às 08:07.
Atualizado em 16/11/2021 às 04:15

Quando se conhecem as somas percorrendo bancos nacionais e estrangeiros, em grande parte ilegalmente desviada dos cofres públicos e das estatais, pergunta-se se é efetivamente um crime da República que Deodoro assumiu em novembro de 1889.

A corrupção reside não unicamente em governos das Américas ou da Europa. Mas no Brasil de nosso tempo, ela parece alcançar o clímax. No fundo, tudo coberto pelo dinheiro do cidadão, responsável pela manutenção da máquina administrativa gigantesca e pelos malfeitos (o substantivo se popularizou) que nela se consumam.

Laurentino Gomes, em seu “1889”, conta mais do que indica a capa: “Como um imperador cansado, um marechal vaidoso e um professor injustiçado contribuíram para o fim da Monarquia e a Proclamação da República no Brasil”. O jornalista escritor observa que a complexa personalidade do imperador revelou um conjunto notável de heranças familiares.

Pedro II recebeu do pai a austeridade no uso do dinheiro público. Exemplo é a dotação da família real de 800 contos por ano, nunca mudada durante todo o Segundo Reinado e corroída pela inflação. Bom lembrar que o Império durou 67 anos de nossa história e que só o segundo imperador carregou a coroa por quase meio século; exatamente 49 anos. No início, o montante representava 3% da despesa do governo central. Ao final, 0,5%.

Para se ter ideia de como isso influía na vida do soberano, bastaria registrar que, para não depender do erário, Pedro se via constrangido a recorrer a empréstimos junto a amigos e aliados. Nada escandaloso ou escabroso. No quase meio século à frente de governo, teve de utilizar-se do expediente 24 vezes.

E não era dinheiro para despesas pessoais ou familiares. Em 1867, por exemplo, determinou que se descontasse 25% de sua dotação orçamentária para ajuda no esforço de guerra que a nação empreendia na longa guerra contra o Paraguai.

Além dos recursos para o conflito, Pedro os oferecia e custeava bolsas de estudos para jovens talentosos. Cento e cinquenta e um deles obtiveram contribuição, dos quais 41 para estágios fora do país, entre os quais os celebrados pintores Pedro Américo e Almeida Junior. Não esqueço, como escrevi em livro sobre medicina, que beneficiária também foi a carioca Maria Augusta Generoso Estrela, primeira brasileira a diplomar-se para exercício da profissão. Não era capricho da mocinha ou proteção do monarca, pois naquela época era proibido o ensino superior a mulher por aqui. Para superar a dificuldade, Maria Augusta estudou e se formou em Nova York.

Pedro II registrou em seu rico diário: “Não devo, e quando contraio uma dívida cuido logo de pagá-la. E a escrituração de todas as despesas de minha casa pode ser examinada a qualquer hora. Não ajunto dinheiro”.

Clementino comenta: Pedro II era também meticuloso na administração dos negócios públicos. Envolvia-se em tudo, mesmo nos detalhes mais insignificantes. Essa característica fazia dele “um modelo de empregado público, um exemplar burocrata (...), sisudo, metódico, pautado grave...”

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