Manoel HyginoO autor é membro da Academia Mineira de Letras e escreve para o Hoje em Dia

Uma mudança sem traumas

Publicado em 26/11/2016 às 19:05.Atualizado em 15/11/2021 às 21:49.

Souza Valente foi o repórter que deu um dos mais importantes furos na história da Imprensa do Brasil: a proclamação da República. O fato decorreu de uma série de esforços orientados com inteligência, argúcia e audácia, fazendo com que a “Gazeta de Notícias”, o “seu jornal”, fosse o primeiro a inserir, que a notícia da mudança do regime político.

O repórter nascera com a vocação, sacrificando-se por uma boa notícia, a nota sensacional, conquistando fama e fazendo exemplos. Com mais de 80 anos, a Associação Brasileira de Imprensa conseguiu um lugar para ele no Asilo São Luís no Rio de Janeiro. A mão esquerda estava paralisada, o coração fatigado, mas demonstrando lucidez e boa memória. Ensinava: “o acaso ainda é o melhor amigo do repórter...”. 
O “Jornal do Comércio”, em 16 de novembro de 1889, relatou: “despertou ontem esta capital no meio de acontecimentos tão graves e tão imprevistos que as primeiras horas do dia foram de geral surpresa.

Rompeu o dia um movimento militar que, iniciado por alguns corpos do Exército, generalizou-se rapidamente pela pronta adesão de toda a tropa de mar e terra existente nesta cidade. A consequência imediata destes fatos foi a retirada do Ministério de 7 de Junho, presidido pelo sr. Visconde de Ouro Preto, que teve de ceder à intimação feita pelo sr. Marechal Deodoro da Fonseca, que assumira a direção do movimento militar. 

À exceção do lastimoso caso do Sr. Barão do Ladário, que, não querendo obedecer a uma ordem de prisão que lhe fora intimada, resistiu armado e ficou ferido, nenhum ato de violência contra a propriedade ou a segurança individual se deu até o momento em que escrevemos estas linhas”. 
Penso eu: gente civilizada mesmo na frustração e derrota! Aliás, o próprio “Jornal do Comércio”, comentou: “aos que se acham com a responsabilidade da situação corre o imperioso dever de manter a ordem e a tranqüilidade pública. São tantos e tão importantes os interesses da população nacional e estrangeira da nossa capital que a mais rigorosa e constante vigilância torna-se indispensável para que no meio da efervescência natural nestas ocasiões não fiquem comprometidos os créditos de um povo civilizado, como é o povo fluminense”. 

Os fatos são descritos, a seguir, pelo redator, desde o Arsenal de Marinha à “repartição da Polícia”, citando nomes e episódios, inclusive a renúncia do conselheiro Bosson. Os delegados de polícia, sabendo da decisão, pediram imediatamente exoneração de seus cargos. Correndo a informação de que alguns indivíduos pretendiam assaltar a Casa de Detenção, mandou-se para ali uma força de vinte praças, comandadas por um alferes. A ronda da cidade foi feita à noite por soldados do 7º Batalhão de Infantaria e outros corpos do Exército, enquanto as estações policiais foram reforçadas, sob comando de um oficial do Exército. 

Constando que o visconde de Ouro Preto planejava organizar um gabinete para enfrentar a situação, o próprio Deodoro determinou que ele fosse preso. Obedecida a ordem, o visconde foi conduzido ao Estado Maior do 1º Regimento de Cavalaria, em São Cristovão. Tudo sem maior confusão, embora se desencaixotassem e se armassem oito metralhadoras Comblain, no Arsenal de Guerra, para eventuais reações, que não houve. Os navios de guerra nacionais, parados no porto, mantiveram suas guarnições em alerta.

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